15 Junho 2019      10:06

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Vento Levante

Dias havia em que o vento soprava de forma tal que ninguém na aldeia dormia. Aterrorizados com aquele vento e sabendo o que significava andavam todos meio loucos, se ao medo podemos chamar loucura.

Não havia ninguém bravo o suficiente que pusesse fim ao vento. Era levante, estava com o charoco, diziam as mulheres da aldeia. Uma coisa todos sabiam, sabedoria que lhes tinha chegado dos antigos, aquele vento que vinha do deserto do Norte de África havia de lhes matar as colheitas e havia de os fazer passar fome. Isso, todos sabiam. E isso o vento cumpria. Aquele vento seco, aquele que conhecemos como o sirocco, trazia um vento quente, coberto de areias e infertilidade que haveria de matar tudo à sua volta.

Contra ele ninguém se tinha virado. Ninguém se tinha insurgido, nem feito uma tempestade no copo de água. Ninguém... minto. Uma pessoa de coragem, nascida e criada no monte da Lontra, ousou enfrentar o vento Levante e, contra todas as expectativas... a pessoa levou a melhor. Deixem que vos conte...

Isto aconteceu num belo dia de junho,

Aí por volta do dia 15, pois, era hoje. Mas aconteceu há muitos anos. Chamava-se Maria Madalena, mulher dura, rude, diria até... não contemplava admirações soberbas de coisas que aconteceriam ou não. O vento levante podia ser uma surpresa para os outros mas não para Maria Madalena.

Na aldeia, ao contrário de todas as mulheres, Maria Madalena vestia calças!

E não tinha medo do desconhecido. Um dia, em segredo, todas as mulheres da aldeia, a pedido dos homens, chegaram perto da Maria Madalena e disseram-lhe em segredo que teria de pedir ao vento que não voltasse...

Maria Madalena, como mulher dura que era, concordou de imediato e disse em

Boa voz... que bento benha, que bento boltará.

Ninguém percebeu nada porque eram todos alentejanos e Maria Madalena era e

norte e tinha sido levada para ali pelos pais que foram trabalhar numa mina. Mas depois de tudo, lá concordaram que, se alguém havia de levar a melhor ao vento era a Mary Magdalena, como lhe chamavam os ingleses.

Era um sábado, tal e qual hoje, neste dia.

Maria Madalena ouviu o assobiar do bicho, pôs o avental em cima das calças e abriu a porta da frente. O vento soprou-lhe diretamente na cara e ofendeu-a! Chamou-a de tudo! A mulher mais pura da aldeia, enxovalhara pelo sirocco.. não retorquiu... ouviu pacientemente os insultos e, no final, só lhe perguntou se no meio da horta, tinha encontrado a mais bonita flor da melancia?

O vento, pasmado, não conhecia a mais bonita flor da melancia e, nem a vento nem a tormento, conseguia responder. Maria Madalena, usando o seu poder, disse ao vento.. olha-me nos olhos e diz me aquilo que nunca me dirias na brisa:

O vento levante olhou a mulher nos olhos e sentiu um calafrio... apaixonou-se. E foi tão forte a paixão que as colheitas todas floresceram e deixou o vento levante de ser mau. Maria Madalena desapareceu no meio do vento, envolvida pela paixão, agarrada pelo calor do deserto.

Depois deste dia, não mais o vento secou nada nem a Maria Madalena foi vista na aldeia... talvez tenha o vento levado e talvez o amor tenha o vento apaziguado, aquilo que ninguém conseguira, Maria Madalena fez e, naquele dia, o vento levou sendo levante, o sirocco para terras de Espanha, e nunca mais na aldeia se sentiu a sua presença...e assim se acabou o verão, e da memória todos fugiram.