2 Dezembro 2021      08:56

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Universidade de Évora lidera estudo pioneiro sobre obras de António de Holanda

Catarina Miguel, investigadora do Laboratório HERCULES

A Universidade de Évora (UÉ) está a conduzir um estudo sobre o “Atlas Miller”, um atlas português de 1519 e uma das obras ilustradas por António de Holanda, naquela que é “a primeira caracterização cronológica sistemática” de um iluminador renascentista.

Em declarações à agência Lusa, a UÉ explicou que o estudo, intitulado ROADMAP – Research On António De Holanda Miniatures Artistic Production, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), está a cargo de um consórcio transnacional de investigação.

O trabalho abrange oito obras de arte, como é o caso do “Atlas Miller”, da autoria ou atribuídas a António de Holanda, importante miniaturista ativo em Portugal na primeira metade do século XVI.

Coordenado por Catarina Miguel, investigadora do Laboratório HERCULES e da Cátedra CityUMacau em Património Sustentável, da Universidade de Évora, o projeto está a analisar obras do artista “difundidas por várias bibliotecas e arquivos internacionais do norte ao sul da Europa”.

Trata-se da “primeira caracterização cronológica sistemática da obra de arte de um iluminador do período renascentista, do ponto de vista da história da arte” e “da caracterização da sua técnica de pintura, quebrando assim fronteiras de países e instituições”, destacou a academia alentejana.

Catarina Miguel, citada no comunicado, sublinhou que o trabalho se reveste de uma “enorme” importância para o conhecimento das obras iluminadas por este artista.

“Queremos levar o nome de Portugal e da UÉ mais longe, projetando não só a ciência e conhecimento por nós produzidos, como a excelência dos artistas portugueses no período do Renascimento” argumentou a coordenadora.

Uma das campanhas científicas do projeto já foi realizada, em outubro, à Biblioteca Nacional de França, e estão programadas mais três missões internacionais, assim como várias em Portugal, “ao longo dos próximos dois anos”.

O objetivo é ficar a “conhecer melhor os materiais e técnicas de produção utilizados por António de Holanda, entre 1515 e 1554”, disse Catarina Miguel.

Para já, além de resultados da caracterização elementar e molecular do atlas que evidenciam “a excelência dos materiais utilizados” pelo artista, o que mais surpreendeu a investigadora foi a identificação de “um conjunto enorme de povoações ao longo de toda a costa brasileira”, apenas 19 anos após a descoberta do país.

Os mesmos pormenores nesta obra de 1519, considerada uma “ferramenta da alta diplomacia”, foram “encontrados ao longo da costa africana e ao longo dos restantes territórios” que, à época, estavam “recentemente sob o domínio de Portugal”, acrescentou.

A análise demonstra ainda o “notável detalhe seguido pelos portugueses para passar a mensagem de domínio de Portugal sobre os territórios do mundo e a navegabilidade dos oceanos”, numa altura em que o reino de Castela se preparava para financiar a primeira circum-navegação.

“A forma como o mapa apresenta um mundo erroneamente fechado, sem representação do Oceano Pacífico, como forma de dissuadir Carlos I [de Castela] de prosseguir com o apoio a Fernão de Magalhães, que, à época, se preparava em Sevilha para levar a cabo a circum-navegação”, é a maior curiosidade deste atlas, segundo Catarina Miguel.

Apesar de a UÉ já ter integrado, em 2016, um consórcio que estudou um manuscrito iluminado atribuído a António de Holanda, “o ‘Atlas Miller’ é a primeira obra cuja autoria de António de Holanda é clara”, frisou a coordenadora.

A investigação agora em curso envolve uma equipa de especialistas em química e em ciências dos materiais, que inclui outros professores e investigadores do Laboratório HERCULES, assim como especialistas em redes neutrais e em quimioterapia.

Estes especialistas terão “a enorme e complexa tarefa de processar os milhares de dados obtidos com várias técnicas ‘in-situ’, não invasivas, que utilizamos nestas missões nacionais e internacionais”, concluiu Catarina Miguel.

Recorde-se que António de Holanda, de origem neerlandesa, como o nome indica, foi o mais estimado iluminador em Portugal, durante o reinado de Manuel I, tendo-lhe sido atribuídos os cargos de Passavante (1521), Rei de Armas (1534) e Escrivão da Nobreza (1536), na corte. É autor de iluminuras do “Livro de Horas de D. Manuel” e pai de Francisco de Holanda, o humanista português que privou com Miguel Ângelo, cujos ensinamentos retratou nos “Diálogos em Roma”.

 

Fotografia de nationalgeographic.pt