3 Abril 2022      11:51

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Uma paixão inesperada

Dizem que a primeira paixão de uma criança é a Natureza. Talvez tenha eu padecido desse síndrome pelo Alentejo. Começo por dizer que sou nascido e criado no Porto, bem no centro, até com alguns traços infelizes de um elitismo urbano, mas hoje sinto uma paixão inenarrável pela mais vasta região portuguesa, o Alentejo.

Ainda não tinha eu virado para a página dos 2 digitos de idade quando contactei pela primeira vez com a região, pelas mãos de 2 amigas que só não partilham laços de sangue comigo. Conheci 2 rapazes que rapidamente se tornaram grandes amigos. Se houvesse algum medidor de amizade relacionando distancia por km2 com sentimento partilhado, então podia dizer que são mesmo 2 dos meus melhores amigos.

Voltando ao apego pelo Alentejo, rapidamente me apercebi que o conceito de liberdade, tão associado ao Alentejo pré e pós 25 de Abril pela emancipação da mulher e pela conquista dos trabalhadores rurais das suas 8h de jornada diária, iria chegar até mim. Não há sítio mais fácil para contemplar a infância longínqua que os nossos pais tanto nos descrevem, de correr, jogar à bola, ou falar na rua como o que se passa por lá. A segurança ao virar da esquina, assegurada por rostos de à muitos anos é uma certeza, assim como é garantido um salutar por parte de um qualquer traunsente. Não consigo tirar da memória as tradicionais noites quentes de verão, não ambicionando que se prolonguem por mais meses que não as deste solstício pois a falta de água é um problema sério que se depara o cidadão comum, onde naturalmente calcorreavamos as ruas da vila sem rumo certo e graças ao nosso sotaque diferente iamos alargando as fileiras do nosso grupo de amigos. Cada noite, uma história para contar, seja uma investida noturna nas piscinas municipais, seja o adiantar o relógio uma hora e ir para Espanha. Este Alentejo que falo tem um rosto, não é o Alentejo das areias finas da Comporta, mas sim o do terreno árido de gente trabalhadora, Vila Viçosa, a 50km da capital de distrito, Évora, e a 50km de Espanha.

A princesa do Alentejo como é conhecida pelos locais tem no mármore o seu bem mais precioso, exportado para terras artificiais do médio oriente ou mais recentemente utilizado para ornamentar um hotel de luxo em Vila Viçosa, o Mármoris. Poderia ser de esperar que gente de trabalho árduo fosse mais hostil a forasteiros. Nada disto é verdade, ao longo destes anos fui sendo sempre bem recebido tanto por Calipolenses como por novos amigos de outros concelhos limítrofes, como Borba. Não poderia deixar de estar presente nesta equação o facto da minha namorada ser alentejana. Ela própria fica incrédula e questiona a minha senilidade quando eu quase diariamente questiono os meus amigos locais pelo nível de chuva, pois é uma realidade a falta de água para consumo público como pior ainda para a rega dos terrenos dos pequenos e médios agricultores, ou qualquer outra novidade no tecido empresarial ou no quotidiano dos habitantes Alentejanos. Toda esta descrição pode suar pouco provável, mas é a minha verdade de sincera preocupação.

 Sinto-me um embaixador do Alentejo no norte do país pelo que todos os meus amigos sabem da minha ligação umbilical à região.

No fundo, a minha ligação à política é isto, servir um conjunto da população sem nada esperar em retorno. Num cenário bastante utópico eu exercia um cargo político, onde seria um interlocutor dos problemas locais e um intermediário para quem os poderia resolver. Num cenário real, sou um simples Portuense apaixonado pela mais vasta planície Portuguesa, o Alentejo.

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