24 Agosto 2019      13:51

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Uma crónica literária começada com B

Belzebu nasceu de um corno de Pã. Mau como as cobras, a figura teve de fugir do meio onde se encontrava. Já tinha feito mal a mais de metade da povoação onde vivia. Belzebu, feio como uma besta, cara de bezerro e corpo de burro, arranjava sempre conflitos com toda a gente que morava na povoação. As pessoas, seres humanos que desconheciam a verdadeira origem e natureza de tal ser, cujo nome começava por B, falavam dele sempre de modo pejorativo. Diziam as pessoas, ah filho de um corno. Mal sabiam que era mesmo filho do corno de Pã.

Belzebu teve de fugir. Interessado nas coisas funestas da vida, Belzebu queria fazer aquilo que achava certo. Tinha um certo desprezo por toda a gente que o rodeava. E toda a gente que o rodeava guiava-se por princípios morais diferentes dos seus. Belzebu não tinha princípios morais muito menos compaixão.

Era, por outro lado, adepto de tudo o que começava por B, brutalidade, bruxedo, birras, burrice, bizarro e besta.

Não era objeto de simpatia. Esse era um facto. Não o incomodava, porém. Não lhe fazia, de facto, diferença nenhuma, até ao dia em que a revolta da população foi acicatada por um novo habitante. Populista por natureza, chegou à povoação muitos anos depois de Belzebu ter nascido do corno de Pã e, esperto, desde logo percebeu as dinâmicas daquela gente. Percebeu que eram facilmente manipuláveis. Percebeu que o medo irracional de coisas alimentava os fígados alheios e percebeu que as pessoas facilmente se tornavam instáveis e criavam animosidade ao desconhecido. Arranjou em Belzebu, que era tão maquiavélico como ele, o inimigo ideal para combater e subjugar toda a populaça.

Chamava-se Batráquio e nada tem a ver com a sua espécie. Mudara-se para a nova morada num frio dia de Inverno e calhou a morar na casa em frente a Belzebu. Certamente já estaria tudo preparado para que o seu destino de morada fosse aquele e ali começasse o seu reino maléfico. Assim foi. Começou a bazofiar-se sobre os seus feitos e a auto-elogiar-se, ganhando a veneração de todos os moradores de Borália.

A fase seguinte foi semear problemas e criar focos de intriga por todas as ruas. Dissimulado, conseguiu que Belzebu fosse culpado por tudo o que acontecia. O ódio começou a crescer como um rastilho, a raiva consumia os fígados das pessoas que moravam na população. Belzebu, figura de fogo, quase aparecia queimado pelo ódio criado. Teve de fugir para a Bélgica. Aprendeu a, além de comer mexilhões com batatas fritas, a ter mais compaixão na sua vida. Era um ser imortal e portanto a compaixão duraria muito tempo. Batráquio atingirá o primeiro objetivo. Agora, precisava continuar o seu plano negro e terrível, tornando as vidas dos patrícios abomináveis.

Saiu Belzebu e ficou um ser muito pior, ainda que vestisse uma pele de cordeiro. A população continuava a sua vida, tentando contrariar as contrariedades e tentando viver um dia após o outro, sem saber que o mal vivia ao lado e que, filhos de um corno nascem todos os dias e que, tantas vezes, comportam-se como anjos herdeiros, embora as asas sirvam apenas para mais facilmente transportar as águias que procuram roubar o alimento dos homens que pisam a terra todos os dias.