19 Dezembro 2021      12:03

Está aqui

Um espelho rasgado

Encostada ao azulejo preto, deixo o meu corpo deslizar, sentido cada gota de água a escaldar a perfurar o meu corpo que ansia paz.

Desiludida por desiludir, cansada e deprimida, encaixo a minha cabeça no meio das minhas pernas, o meu corpo de vez em quando descontrola-se com a minha respiração inconstante, mas a água relaxa-me.

Penso no branco das nuvens e questiono-me sobre a sua textura. O meu cabelo, colado até meio das costas, abraça-me e sinto os meus olhos pequenos.

Angustiada, coloco a água mais quente, formando um nevoeiro à minha volta. A janela à minha esquerda, desenha um azul escuro abatido e o meu corpo continua parado, à espera de um milagre.

Mais uma noite, mais um pedaço meu partido. Mais uma noite, mais uma insónia inconstante. Mais uma noite de desespero.

O meu olhar cai agora sob os meus dedos enrugados que pedem auxílio. Decido fingir que eles não existem durante uns segundos, deixando-me acolher pelo calor.

Sentada de pernas à chinês, volto a fechar os olhos, encostando a cabeça ao azulejo mais perto. Estou irrecuperável.

É urgente para mim entrar em contacto com as estrelas. Preciso de desabafar com a lua e berrar com a cor do céu.

A toalha branca e quente agarra-me agora, sufocando as gotas que preenchiam o meu corpo. A minha pele agradece-me e entre as quatro paredes da casa de banho, lanço um suspiro nervoso.

Ao meu lado direito está refletido melancolia visível sob o vapor, com cabelos longos e amarelos. Com olhos pretos brilhantes, sobrancelhas desarrumadas. Com lábios doentes e nariz arrependido.

Se tocar no espelho, este rasga-se. Permaneço a encarar-me, com a alma nua e débil até o meu corpo dar sinal de frio e cansaço.