6 Abril 2019      13:18

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Três peras

As palavras-chave são a coisa que nos ajuda a chegar a algum lugar, sem passar por caminhos tortuosos. Tantas vezes somos confrontados com situações em que aquilo que procuramos dizer ou transmitir não sai da forma como queremos. Isto pode ser um problema e é assim tantas vezes.

Pelas 9:30 já eu tinha saído de casa e já estava no comboio/metro a caminho do trabalho. Era penoso fazer aquele percurso com neve. Por sorte, naquele dia não estava a nevar. Era penoso fazer o mesmo percurso com chuva Por sorte, também não estava a chover. Penoso também era andar no metro até chegar ao trabalho. Por azar, naquele dia o metro estava ainda mais cheio do que o normal. Lá me ajeitei qual azeite no meio das outras sardinhas e, perna na perna, peito nas costas e chega. Não havia mais contactos. Gosto muito do meu espaço pessoal e incomoda-me pessoas que não têm noção desse espaço. Tenho mau-feitio. Péssimo, até.

Naquele dia, não estando reunidas as condições para me deixar bem-disposto, fiquei em fúria. Furioso, cheguei a um trabalho que até adorava, e bati com a porta. Há dias assim, em que nós não somos nós. Nunca percebi porquê mas toda a gente que me conhecia tratava-me não pelo meu nome mas pelo três peras. Um dia explicaram-me a razão. O meu verdadeiro nome era Casimiro Andrade de Sousa Pereira Ferreira Antunes Pereira Pereira, mas apesar de ter a árvore no nome, em triplicado, não era por isso que me chamavam o três peras.

A minha alcunha surgira no seguimento e no decurso de me apoquentar, todos os dias, com toda a gente. As pessoas irritam-me e poem-me louco. Ora, em consequência, o meu ato natural é sair-me, inconscientemente a particular frase: Levas três peras. E a pessoa aí fica a pensar e vai-se embora. O reverso da moeda é que passei a ser para toda a gente, o três peras. No meu trabalho de senior analista financeiro, dar peras a alguém não é bem visto. Se vendesse fruta no mercado, talvez. Bem, nem mesmo assim.

Neste dia, saltou-me mesmo a tampa e virei-me para o meu assistente e disse-lhe, Ó Fagundes, levas três peras. O Fagundes respondeu-me: Então dê lá. E eu não fui capaz de dar. O dia tinha começado tão mal, como já tive oportunidade de dizer e o Fagundes já me andava a chatear há uns meses, como toda a gente à minha volta, sejamos francos. O problema do Fagundes, além de todos os outros como mastigar pastilha de boca aberta, tirar macacos do nariz e chamar-me Sô Pereira, tinha algo que me incomodava profundamente. Tão profundamente que nesse dia chegámos quase a vias de facto.

O Fagundes não sabia a diferença entre há a à e quando escrevia à, punha o acento ao contrário. Isto era o suficiente para me transformar. Ficava com humor de cão e rosnava. No meio do rosnar, chamava-o ao Gabinete e dizia-lhe com todas as letras, Ó Fagundes, levas três peras e o energúmeno ainda me respondia: Então dê lá, senhor Pereira Pereira Pereira.

Ora diga-me lá o senhor leitor se isto não é de uma pessoa se jogar aos arames. O relatório mais importante da minha vida, a minha grande possibilidade de promoção na carreira e aquele boçal escreve-me aquilo tudo errado. Nem o corretor automático funcionou.

Gritei-lhe: Oh Fagundes, Boçal, então você é: há à á e aquele piolho respondeu-me ah ah ah minha machadinha… ah ah ah minha machadinha…levas três peras Ó Pereira… Fiquei a olhar para ele sem palavras, nem as três peras me saíram. E o Fagundes acrescentou. E mais, despeço-me porque já não o aguento. E assim fez.

E eu fiquei sentado na secretária a olhar para a janela a ver se o vento bulia. Nada. Bem, o que vale é que sou completamente anti violência senão tinha ido atrás dele e tinha-lhe dado três peras. Comia-as eu que andava sempre com um saquinho da Pereira do meu quintal.

 

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