30 Julho 2022      10:42

Está aqui

Televisão a cores

Eram mais de 12 os irmãos que habitavam naquela casa. Todos filhos do mesmo pai e da mesma mãe, tinham intervalos de idades muito semelhantes entre si. As diferenças eram de um ano cada, mais coisa, menos coisa. O mais velho tinha já ido à tropa e trabalhava agora nas minas, junto com o pai e com um dos outros irmãos que não tinha idade ainda para ir à tropa mas tinha já bom corpo para trabalhar.

A escola para todos era reservada até à quarta classe. Ficava a uns quarteirões abaixo da casa onde toda a família vivia. Sobre a casa sabemos que era uma casa simples, com três quartos e meio, uma cozinha apertada e uma sala de estar e jantar, onde a família se reunia para comer, passar os serões à volta da fogueira e era também o lugar onde dormiam os mais velhos. No quarto dos pais dormiam os mais pequenos, ao todo quatro. No primeiro quarto, dormiam outros quatro, e, em igual número, o segundo quarto. No meio quarto, que era a sala, ficavam todos os outros.

A vida estava, toda ela, organizada numa forma linear e pensada. Os dias não eram diferentes uns dos outros, nem as tarefas destinadas. O papel da mãe, do pai e de todos os restantes não divergia de todas as famílias daquela época.

Nada se alterava nos serões daquela casa, uma lareira, os candeeiros a petróleo que alumiavam os mais novos enquanto faziam os trabalhos de casa do dia de escola.

Nada, até ao dia em que o pai, num Natal, trouxe como prenda para toda a família, um televisor a bateria. Era uma televisão a preto e branco, que mudaria para sempre a visão do mundo que entrava naquela casa. As atenções desviaram-se da lareira para aquele pequeno móvel retangular que tinha pessoas lá dentro que falavam, cantavam e enchiam uma casa já de si cheia.

Viam, a partir desse Natal, um mundo desconhecido, ainda que a preto e branco. Habituaram-se depressa a essa nova rotina e assim passou um ano, em que todos cresceram. O mais velho saiu de casa para casar. Não foi para muito longe, mas não estava já na casa dos doze. Nesse Natal, do primeiro ano de casamento, trouxe a todos, como prenda, um filtro que transformava o televisor monocromático num mundo a cores. O espanto de todos não se conseguia esconder em cada um dos rostos. De novo, o que existia mudara, com um televisor que fingia ter as cores do mundo em que viviam. Assim foi até que inventaram o televisor a cores e aquela casa passou a ter um, além da eletricidade, um frigorífico e toda uma panóplia de eletrodomésticos.

Nesses dias, porém, só os velhinhos pais restavam na casa para os usarem. Todos os filhos tinham já os seus televisores a cores e eletrodomésticos em cada uma das suas casas.