1 Setembro 2019      12:04

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Tarantino 60’s # 1: Afinal, a coisa foi até ao fim ou ficou-se por meias-tintas?

Bob & Carol & Ted & Alice, a obra mais famosa de Paul Mazursky, produzida nos idos de 1969, marcou uma época.

Foi a primeira vez que uma produção dita convencional, protagonizada por uma superestrela e distribuída por um dos principais estúdios (a Columbia Pictures), falava abertamente de infidelidade e troca de casais. A superestrela, Natalie Wood, boneca doce com supertalentos – não confundir com superpoderes, pois nunca tal figura poderia ter usado uma capa e insinuado a redenção de um mundo falsamente esperançoso.

Filme de actores, para os actores, quer dizer, e fiel aos seus princípios, têm o seu primeiro grande momento aquando da primeira referência à infidelidade. Bob, num acesso de dignidade cool na aparência longe de qualquer culpa remissiva, o que é em si um twist, comunica a Carol, a mulher, que teve um caso com uma assistente durante uma breve estadia em San Francisco. Físico, estritamente físico, refere, ainda assim. A resposta de Carol (a nossa, tanto nossa, Natalie) é desconcertante. Não aceita simplesmente, nem normaliza, antes exibe felicidade na felicidade do outro. Não há um único momento naquele campo /contra-campo que não jogue com as seguranças (expectativas) do espectador, invertendo-as como se desse diálogo emanasse uma substância-metáfora que nunca é amarga – isto sem que adultere os seus compostos naturais. Palavras, gestos e movimentos que terminam em sexo.

Por outro lado, é difícil reagir com certeza ao final.

Anda por lá um outro casal, que sabendo o que se passa não sabe o que fazer com, digamos, essas peculiaridades recém-descobertas nos amigos. O filme dá umas quantas voltas, até que os quatro aproximam atitudes e decidem, durante uma viagem a Las Vegas, fazer…uma orgia a quatro.

E o filme vai nesse sentido – para onde, aliás, sempre parecera dirigir-se: alguns belíssimos planos em velocidade reduzida (câmara-lenta em absoluto sincrónica), o longo beijo entre Ted e Carol (Natalie Wood seminua de costas), olhares indefinidos, talvez expectantes de agitação.

Eis quando – ao que tudo indica – atalham caminho e a situação fica por ali. Levantam-se, vestem-se e vão para um concerto de Tony Bennett.

Ok, o que fazer então deste final?

Falta de coragem do realizador – dos produtores? Humanização das personagens – que tal como a maior parte dos que vivem, de onde muito naturalmente irradiam, só muito raramente optam pelo limite máximo (do género, para quê levar até ao fim algo que durará um segundo e unicamente vai servir para espicaçar a amizade até à sua mais do que certa destruição) – ainda assim, clímax anticlimático que impacta com grande violência no espectador? Sublime reverso da expiação, pela delação por via narrativa das vontades ocultas do espectador, já feito voyeur? Enfim, houve sexo – alguma elipse tão subtil que nos escapou?

Porque resta apenas espaço vazio, de intolerável acidez, no tubo gástrico?

Lá está, com a devida licença: não foi você que pediu um final ambíguo? Então, aguente!

 

 

Imagem de nyt.com