10 Julho 2016      15:51

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SINES ON FIRE

"CIÊNCIA NA SUA VIDA"

Com a aproximação de mais um Festival Musicas do Mundo (FMM 2016) Sines incendeia-se, crepitando o prestígio que este motim musical trouxe ao concelho. As ruas inflamam-se na ansia de serem calcorreadas por gente perscrutante, ávida de singularidades. A cidade fervilha com o bulício dos preparativos para mais um período de invasão (e evasão). A população exulta a sua peculiaridade, cada vez mais empenhada em fazer Sines brilhar no panorama nacional e internacional.

Este fulgurante festival é já uma das bases de sustentação de Sines. Outra, a que suporta a edificação da cidade, apesar de hoje ser rocha fria e sólida foi outrora material fundido, exposto a temperaturas próximas dos 1000ºC.

Refiro-me ao Maciço Ígneo de Sines, um conjunto de rochas formadas a partir do arrefecimento e cristalização de um magma, sobre o qual assenta a metrópole da música, da indústria e do mar.

As várias rochas ígneas subjacentes a Sines são tão ou mais evocativas desta região que o FMM. Porque quebram a monotonia geológica talhada na costa do Sudoeste Alentejano, porque testemunham os tempos em que o supercontinente Pangeia se fraturou dando espaço à abertura do oceano Atlântico, porque exploradas numa pedreira são um recurso importante para a economia do concelho. Também o FMM quebra a monotonia dos festivais nacionais, testemunhou o início da fraturação ideológica que deu espaço à abertura de novos oceanos para Sines e é um dos recursos que revitaliza a economia local.

Estas rochas ígneas (do latim ignis que significa fogo) formaram-se há cerca de 70 milhões de anos, no Cretácico, um período da Historia da Terra em que ainda existiam dinossauros e começaram a surgir as primeiras plantas com flor.

Apesar de, atualmente, conseguirmos avistar este maciço rochoso à superfície, ele começou a formar-se a centenas de metros de profundidade, em regiões do nosso planeta em que as altas temperaturas transmutam a mais robusta rocha numa amálgama moldável e fundida (o magma).

A tendência do magma é ascender através de fraturas existentes no interior da Terra porém, nem sempre tem capacidade para alcançar a superfície e provocar erupções vulcânicas. Muitas vezes arrefece lentamente, no interior da crosta terrestre. Foi o que aconteceu com as rochas que hoje se elevam na paisagem, sob Sines. Os gabros e os dioritos, coroados pela cidade, formaram-se a centenas de metros abaixo do local onde hoje se encontram, a partir do esfriamento de um magma que, abrasador e fogoso, não conseguiu chegar à superfície e arrefeceu no interior transformando-se em rochas densas e resistentes.

Tal como o FMM modifica os visitantes e os visitados também esta intrusão magmática alterou as rochas encaixantes, os calcários a norte  de Sines e os pelitos a sul da cidade, que se metamorfizaram, respetivamente, em mármores e corneanas pelíticas, por ação do calor libertado pelo magma antes de arrefecer e se transformar em rocha.

Menos evidente é o fenómeno que explica como é que rochas formadas em profundidade se elevaram até ao local em que hoje se encontram. Isostasia é a sua designação. Trata-se de um mecanismo que a dinâmica interna do nosso planeta mantem acionado há milhões de anos. A permanente procura de um estado de equilíbrio entre a litosfera (camada sólida mais externa da crosta terrestre) e a astenosfera (camada mais viscosa situada abaixo da litosfera). Tal equilíbrio implica que um aumento do peso nas placas litosféricas (por deposição de sedimentos, por exemplo) leva ao seu afundamento, ocorrendo, inversamente, uma subida, quando o peso diminui. No caso do Maciço Ígneo de Sines a erosão atuante, ao longo de milhões de anos, “apagou” as toneladas de rochas que lhe estavam suprajacentes permitindo a sua migração até ao local em que se encontra atualmente.

Por estes dias a região de Sines continua on fire. Tal como há 70 milhões de anos. Incandescente. Metamorfizante.

 

Foto de Mário Pires daqui