28 Agosto 2016      10:29

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SILÊNCIO, POR FAVOR

"INCONSTÂNCIAS"

O mundo tornou-se um lugar caótico. – Parece ser uma afirmação simples e sucinta mas diz para além de si e para além de si é para onde nós raramente olhamos. Quando digo “o mundo tornou-se um lugar caótico” não quero dizer só isso, quero também dizer que no mundo custa respirar e custa pensar e custa viver e custa sonhar. Umas seguidas às outras as informações seguem-se, na velocidade de um carrossel desenfreado, não nos permitindo ter tempo para nelas ponderar e para as integrar no que sabemos ou não sabemos ou no que queremos saber.

Existiu um tempo da minha vida em que perseguia o conhecimento, ávida de compreensão e da atitude de compreender, – a busca talvez de um ideal ou de uma verdade maior (que tola, eu) – um momento em que admitia que aqueles que ficavam sossegados e observavam apenas o mundo mover-se não sabiam o que estavam a fazer. Era errado, para mim. Agora, passados tantos anos começo a compreender o para além da afirmação “o mundo tornou-se um lugar caótico” e suspiro por uma chance de poder parar e descer deste comboio descarrilado. O sossego errado de outros tempos afigura-se hoje a salvação de uma mente atribulada de tão empática.

Perceba-me, caro leitor, o problema não é que falemos e problematizemos mas é a forma como o fazemos: sentados em casa, longe das zonas de conflito, longe do corte na pele, da ferida na alma, afastados da experiência de olhar nos olhos e de sentir o que o outro sente. Neste lugar somos todos heróis ou experts em áreas de que nunca ouvimos falar na vida e se nos retiram este trono inventado por um ego lesado e afogado na sua própria lesão, facilmente lesamos o outro e o tornamos em mais uma máquina de ódio gratuito. Mais um idiota a fazer barulho.

Silêncio, por favor. – É um grito interior obstinado pela paz de alma que gradualmente me vai faltando para os letrados de gaveta e os humanitários de bolso. Silêncio, por favor! – São os meus dentes a ranger e o meu peito a acelerar e os meus olhos a revirarem-se para com as lamúrias daqueles que duvidam tanto de si que se ofendem com qualquer discurso. Com qualquer comentário. Com qualquer estado. SILÊNCIO, por favor – e toma já a forma de um pedido de socorro desesperado, a indecisão entre ignorar os problemas pessoais hiperbolizados de qualquer comum mortal que ainda não compreendeu que todos temos problemas ou dizer-lhe para ganhar um (desculpe-me a expressão, caro leitor) par de tomates e se fazer á vida.

 As pessoas cansam-me. Acho que nos cansamos todos uns aos outros principalmente por não termos paciência uns para os outros. Exigimos ser sempre os primeiros e os mais importantes, vivemos uma política de amor próprio distorcida e cruel. – Não nos amamos a nós mesmos enquanto não chega o outro para que lhe possamos esfregar na cara que nos amamos demasiado a nós mesmos para lhe dispensarmos um pouco de amor. Ou um pouco de atenção. Ou um pouco de paciência, mais não seja. As pessoas cansam-me principalmente porque não quero saber quantas vitórias têm ou a sua dificuldade enorme em sair daquele buraco. Eu quero saber o que elas fizeram para sair dele. Quero saber o que elas acham acerca de o mundo ser um lugar caótico. Quero saber, acima de tudo, se elas conhecem o silêncio.

Ninguém conhece o silêncio no mundo automático de hoje e ninguém é totalmente feliz por essa mesma razão. Não falo do silêncio cabisbaixo de uma zanga ou do silêncio que se faz obrigatoriamente para ouvir alguém. Falo do silêncio, o silêncio mesmo, o silêncio maior – o silêncio da mente.

Em silêncio ouvimos melhor. Observamos melhor mesmo com os olhos fechados. Respiramos melhor. Em silêncio escutamo-nos melhor.

Aprendi-me no silêncio e com o silêncio e as lições que ele me ensinou nem mesmo os meus pais me puderam ensinar. O silêncio ensinou-me a paz e a confiança pessoal suficiente para não perturbar o curso da minha vida pela insensatez de quem me rodeia. O silêncio ensinou-me a ouvir opiniões que julguei não se adequarem a mim mesma e essas opiniões obrigaram-me a ser mais tolerante. Ensinou-me principalmente que o mundo não se muda com berros pungentes e opressões disfarçadas. – O mundo, este mundo louco em que vivemos ou sobrevivemos hoje, muda-se com a voz calma e a experiência.

Nunca seremos capazes de convencer alguém que o silêncio é importante gritando com essa pessoa. – E esta devia ser a máxima para qualquer argumento que possamos ter.

O mundo tornou-se um lugar caótico. Mas o mundo não se tornou um lugar caótico porque sim – tornou-se um lugar caótico porque está repleto de pessoas caóticas que se convenceram que é com gritos que se muda o mundo.

Silêncio, por favor.

 

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