25 Novembro 2019      10:02

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25 de novembro, a outra revolução

Os militares quiseram, a população apoiou e a revolução fez-se.

Naquela que é conhecida por todos como a “revolução dos cravos” o povo português celebrou a libertação da ditadura mais antiga da Europa.

No 1º aniversário do 25 de abril decorreram as eleições para a Assembleia Constituinte. Aquelas que foram então as primeiras eleições livres dos últimos 50 anos foram ganhas pelo Partido Socialista (38% e 116 eleitos) e são, ainda hoje, das eleições com maior participação eleitoral de sempre (menor número de abstencionistas) tendo votado 5.693.905 pessoas de um universo total de 6.220.784 (dados PORDATA).

O Partido Popular Democrático (atual PSD) obteve 26,5% e 81 eleitos, o Partido Comunista Português 12,5% e 30 eleitos, o Centro Democrático Social 7,6% e 16 eleitos, o MDP/CDE - Movimento Democrático Português - Comissão Democrática Eleitoral 4,14% e 5 eleitos, a UDP União Democrática Popular 0,79% e 1 eleito e a Associação para a Defesa dos Interesses de Macau 0,3% e 1 eleito.

No entanto, e ignorando os apelos à “maioria silenciosa” do presidente Marechal Spínola (que daria lugar logo em setembro de 1974 a Costa Gomes), os tempos que se seguiram foram de instabilidade e conflito político e quase se chegou a uma guerra civil.

Um “Verão Quente” de disputa entre forças revolucionárias e forças moderadas, em 1975, que lutavam pela ocupação do poder do Conselho da Revolução, quer civis, quer militares, obrigava a que todos se preparassem para o pior e contassem espingardas, tendo em vista um conflito militar que parecia mais que provável.

As expropriações e ocupações de terras promovidas pela extrema-esquerda, essencialmente no Alentejo, envolveram atos violentos e foram muitos os assaltos a sedes de partidos e atentados bombistas, essencialmente a norte. Existia então em Portugal uma organização terrorista de extrema esquerda, denominada Forças Populares 25, mais conhecida como FP-25.  

Portugal sofria pressões internacionais extremas dos blocos russo e norte-americano. Os primeiros faziam força para a instauração de um regime comunista em Portugal e os segundos queriam evitar isso a todo o custo.

Frank Carlucci, dirigente da CIA, à data Embaixador dos Estado Unidos em Portugal, mantinha informado o secretário de estado Henry Kissinger, e não estava fora de hipótese uma intervenção armada norte-americana em Portugal - o porta-aviões americano “Saratoga” esteve mesmo fundeado no Tejo.

A 8 de agosto de 1975, com a demissão do IV Governo Provisório, liderado por Vasco Gonçalves – era assim desde o segundo governo provisório - e o surgimento de um V governo provisório, liderado novamente pelo mesmo, estava aberta a contestação e os pedidos de demissão de Vasco Gonçalves sucediam-se, o que veio a acontecer a 19 de setembro de 1975, sendo substituído por  Pinheiro de Azevedo, começava o VI Governo Provisório e que já estava em funções quando, a 11 de novembro, uma manifestação de trabalhadores da construção civil cercou a Assembleia Constituinte e impediu a saída dos deputados constituintes e do então Primeiro-Ministro do Palácio de S. Bento, onde estiveram reféns durante 36 horas, obrigando o almirante Pinheiro de Azevedo a ceder às reivindicações de aumentos salariais.

Poucos dias depois correram rumores de que a Assembleia Constituinte poderia vir a ser transferida para o Porto, pois em Lisboa estavam a ser realizadas manifestações de trabalhadores da cintura industrial de Lisboa e das Unidades Coletivas de Produção alentejanas em apoio ao "Poder Popular".

A 6 de novembro, e durante 3 horas, com moderação de Joaquim Letria e José Megre, dá-se um dos mais conhecidos e emblemáticos debates políticos: Soares e Cunhal mostram na RTP duas fações opostas de um país dividido.

A situação era insustentável e, no dia 20, o VI Governo Provisório autossuspende-se por não lhe terem sido dadas garantias e estabilidade necessária para poder governar.

No mesmo dia, o General Costa Gomes dirigiu-se aos manifestantes e, prevendo os tempos que se seguiam, revela que era de todo indispensável evitar uma guerra civil sendo que no dia seguinte, o Conselho da Revolução acabaria por destituir o general Otelo Saraiva de Carvalho (relacionado com o PCP e a linha mais extremista) do comando da Região Militar de Lisboa, substituindo-o pelo capitão Vasco Lourenço (mais ligado à linha moderada).

As manifestações sucediam-se em apoio a qualquer uma das duas fações. Em Lisboa o PS realizou um comício apoio ao VI Governo Provisório, na Alameda D. Afonso Henriques, e no qual estiveram milhares de pessoas, mesmo sob ameaça de bomba. No dia seguinte, a 24 de novembro, foi a vez dos populares de Rio Maior e dos agricultores associados da CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal (conotados então com a direita tradicional e patriótica) se manifestarem e terem chegado mesmo a cortar as estradas de acesso a Lisboa, separando o Norte de Portugal e o Sul. Chegamos assim a 25 de novembro de 1975, onde há 40 anos Portugal sofreu uma tentativa de golpe de Estado, que opôs militares da extrema-esquerda e “moderados” e ditou o fim do período revolucionário em curso.

Na madrugada desse dia, diversas bases aéreas foram ocupadas por paraquedistas que contavam receber o apoio da estrutura do COPCON, o Comando Operacional do Continente, - uma estrutura de comando militar criada pelo Movimento das Forças Armadas, no pós 25 de abril (na prática era o comando da Região Militar de Lisboa) comandada por Otelo Saraiva de Carvalho e que se transformou numa polícia política de extrema-esquerda que queria implementar uma “ditadura de proletariado”.

Em oposição à medida posta em prática pelos paraquedistas esteve um grupo operacionais militares, chefiado por Ramalho Eanes e constituído por nomes como Vasco Lourenço e que culminaria com a revolta e substituiria aquilo a que chamaram o PREC - "Processo Revolucionário em Curso" pelo "Processo Constitucional em Curso", colocando Portugal, em definitivo, no caminho da democracia.

Esta tomada de posição dos paraquedistas não foi única e já antes outras movimentações militares faziam indiciar que poderia estar em curso um Golpe de Estado Militar em Portugal, com a tomada de algumas bases militares e pela tomada de posição do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS) - conotado com a extrema-esquerda – que se posicionou no aeroporto de Lisboa, na portagem de Lisboa A1 e no Depósito de Material de Guerra de Beirolas. A RTP e a Emissora Nacional foram também tomadas por militares, além de outros órgãos de comunicação.

Mário Soares, Jorge Campinos e Mário Sottomayor Cardia, membros da Comissão Permanente do PS, saíram escondidos de Lisboa com direção ao Porto, onde se apresentaram a Pires Veloso – um quadro militar moderado - no Quartel da Região Militar Norte, e que viria ser conhecido como o “vice-rei do Norte” pelo seu papel no desenlace deste conflito.

O Presidente da República, Costa Gomes, acaba por decretar o estado de sítio na área da Região Militar de Lisboa, o que se revelou ter sido determinante na contenção dos extremos; entretanto, o Tenente-coronel António Ramalho Eanes (viria a ser o presidente da República que se seguiria), adjunto de Vasco Lourenço, resiste às pressões dos militares da extrema-direita que o incitam a mandar bombardear unidades tomadas pela esquerda radical.

Vasco Lourenço dá voz de prisão a Diniz de Almeida, Campos Andrade, Cuco Rosa e Mário Tomé, todos militares conotados forças políticas de esquerda revolucionária. Mário Tomé, natural de Estremoz, era mesmo filiado na UDP.

Os dias seguintes trouxeram uma avalanche de acontecimentos - o Regimento da Polícia Militar da Ajuda, unidade militar tida como próxima das forças políticas de esquerda revolucionária é tomada pelos moderados; as forças das Regiões Militares do Norte e Centro deslocaram-se para Lisboa; os Generais Carlos Fabião e Otelo Saraiva de Carvalho foram destituídos, Ramalho Eanes é nomeado Chefe de Estado Maior do Exército e o COPCON é integrado no Estado Maior Geral das Forças Armadas. Foram enviados para a prisão de Custóias dezenas de militares detidos na sequência da revolta e a 28 de novembro, o VI Governo Provisório retoma as suas funções.

Após a suspensão de jornais do Estado ou estatizados, Sá Carneiro acusa diretamente o PCP de ser responsável pela insubordinação militar que se assistiu, posição seguida pelo PS.

Foi já a 2 de dezembro que o estado de sítio em Lisboa é levantado: a revolução terminara.

Logo no dia seguinte, em plena Assembleia da República, a Assembleia Constituinte PS, PPD e CDS acusa o PCP de estar envolvido nos acontecimentos de 25 de Novembro.

Cinco dias depois, a 7 de dezembro, o PCP realizou um comício no Campo Pequeno. Aí, o líder comunista Álvaro Cunhal reconheceu a derrota sofrida da esquerda revolucionária e apelou à "unidade das forças interessadas na salvaguarda das liberdades, da democracia e da revolução".

Chegados a 1976, em meados de janeiro, Otelo Saraiva de Carvalho é preso por estar implicado no possível golpe militar de esquerda. Tendo sido libertado, foi já na década de 80 que viria ser formalmente acusado de liderar a organização terrorista FP-25 e de ser o responsável pelo assassinato de 17 pessoas. Em 1984 acabaria por ser detido e 1985  julgado e condenado em tribunal pelo seu papel na revolução de novembro de 75.

Imagem de capa do Arquivo da Torre do Tombo