3 Maio 2018      15:01

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As Reivindicações de uma região. Ovibeja, uma carta aberta e um movimento cívico.

Num curto espaço de tempo o Alentejo teve, e irá ter, vários momentos de afirmação e reivindicação.

Três momentos distintos mas que se complementam. Um de atenção mediática, outro de pressão institucional e um movimento cívico que carrega consigo o peso de 20 mil assinaturas.  

“Todo o Alentejo deste mundo” é o lema da Feira Ovibeja que levou “Todos os políticos deste país” a visitar a região e durante 5 dias a tornar-se, como habitualmente, o momento mediático de referência do calendário político para se discutir e visitar o Alentejo.

A Feira teve a sua 35ª edição e para além de quase todos os políticos terem a oportunidade de posar para as câmaras com um ar mais rural foi entregue a todos eles, uma carta aberta por diversas entidades da região a reclamarem mais investimento nas infraestruturas do Baixo Alentejo. Este foi o momento de pressão institucional onde a Cimbal, a Acos, o Nerbe e o Politécnico de Beja apresentaram uma lista de reivindicações especificamente sobre acessibilidades. Particularizaram a conclusão do IP8, a abertura da A22 e a ligação ferroviária Beja - Casa Branca.

Para a semana, no dia 10 de Maio, o movimento cívico Beja Merece +, organiza uma excursão à Assembleia da República e apresenta 20 mil assinaturas numa petição organizada por este movimento a reclamar para a cidade de Beja, e para o distrito, melhores infraestruturas. Como a eletrificação da linha Beja - Casa Branca, um melhor aproveitamento do aeroporto de Beja e arranjo de uma ou outra estrada principal. Esta é uma grande ação deste movimento cívico, e o único momento referido que ainda está para vir.

A pergunta que eu agora coloco é. Será algum deste mecanismos um bom lobby pelas reivindicações do Baixo Alentejo?

Ou até, serão estas reivindicações o que a região mesmo necessita?

Não existem verdades absolutas sobre estes temas, mas aqui vos deixo a minha opinião. Estes mecanismos são sem dúvida uma mais valia para ultrapassar os problemas que o Baixo Alentejo tem tido rumo ao progresso pretendido. E a combinação dos três métodos criam uma janela de esperança para resolver os problemas. A força empresarial e económica está bem exposta na Ovibeja, as demandas dos poderes institucionais entregues nesta carta aberta, e o grito de revolta da população bem patente no movimento cívico Beja Merece +.

No entanto, as reivindicações parecem-me pouco. É certo que a eletrificação da linha Beja-Casa Branca afigura-se como essencial, que o aeroporto está mal aproveitado e que há uma micro-rede de estradas a necessitar de reparação urgente. Mas o que realmente me aflige é que numa região onde os serviços distam vastos quilómetros entre si e onde densidade demográfica é baixa, não exista uma verdadeira rede de transportes públicos.

Quem tem uma urgência médica em Garvão tem que fazer perto de 80 quilómetros para chegar ao hospital mais próximo. Sem nenhuma opção de transporte público direto.

Quem vive em Barrancos e quer estudar no Ensino Superior em Beja não consegue fazer a viagem e voltar a casa no mesmo dia por transporte público.

Quem reside em Aljustrel e tenha um emprego em Ourique não tem a opção de ir e voltar com um transporte que não o seu carro pessoal. E o mesmo se replica pelo conjunto de vilas e cidades que formam a região.

Como é que num Baixo Alentejo que perde população a um velocidade vertiginosa, em que os serviços distam quilómetros, em que as estradas necessitam de reparação e a mobilidade é muito reduzida, é possível ambicionar futuro sem uma opção que garanta à população a capacidade de se deslocar do ponto A para o ponto B com um transporte público, acessível e que garanta mobilidade a estudantes, trabalhadores e reformados?

Numa região com problemas estruturais de interioridade, demografia e tecido económico a não existência de uma opção pública de transporte é um entrave ao crescimento, e prejudica desproporcionalmente os jovens e os idosos. Os jovens, porque sem a possibilidade e rendimento para ter carro não se conseguem deslocar para as localidades próximas, seja para estudar noutra escola com uma diferente oferta educativa, seja para estudar no ensino superior, ou para ver uma peça de teatro num concelho vizinho. E os idosos, que na impossibilidade de conduzirem perdem toda a sua independência na mobilidade. Ficam dependentes de familiares, favores ou de uma elevada conta num qualquer serviço de taxi para uma mera deslocação ao hospital, visitar um amigo numa aldeia vizinha, e privado da liberdade de se deslocar sozinho para onde a vontade o chama.

Como é que se pode querer fixar jovens e não lhes dar oportunidade de alargar as suas opções culturais e educativas?

Como dar qualidade de vida e independência à nossa população reformada?

Vivendo em Ourique é mais fácil chegar, de transporte público, a Lisboa do que a Beja, Castro Verde ou Aljustrel. E isso não é sustentável numa região que ambiciona o progresso. As trocas económicas ficam limitadas, bem como as interações sociais e culturais.

Mas ações como a Ovibeja, a redação de uma carta aberta e o movimento cívico Beja Merece +, enchem-me de esperança. Vemos a população a despertar para os desafios complexos que o progresso coloca, a discutirem-se em múltiplos fóruns as soluções que o futuro apresenta, e a começar uma conversa há muito necessária.

O ênfase na mobilidade está correto. Mas não só uma mobilidade de Beja para Évora, ou de Beja para Lisboa. Uma mobilidade em toda a região. Uma opção pública, regular, acessível e que diminua as distâncias deste Portugal profundo. Que finalmente valorize o interior, e promova as trocas comerciais e humanas entre si.

Termino com uma citação de Steve Jobs. “Eu li um estudo sobre a eficiência da locomoção em várias espécies do planeta. O condor era o que utilizava menos energia para se mover um quilómetro. Os humanos estavam bem abaixo na tabela, nos últimos três quartos dela… Não parecia muito bom para a espécie criada à imagem de Deus, até que alguém na revista Scientific American teve a visão de testar a eficiência da locomoção de um homem numa bicicleta, e o homem numa bicicleta deixou o condor bem atrás neste estudo

Para mim é isto que o Alentejo precisa. Da arte e engenho dos Alentejanos para criar uma solução que acabe com as nossas barreiras à locomoção. Basta construirmos a nossa “bicicleta” - uma uma opção pública de transporte - e somos capazes de ultrapassar o condor em pleno voo.