20 Abril 2018      11:14

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Que Cultura(s) e que Comunidade(s)

Este fim de semana passado estive no meu concelho como é habitual e com esse simples prazer de estar pude olhar para a intervenção dos “aliados” na Síria com outros olhos. É desumano o que se passa num território devastado pela irracionalidade e são inaceitáveis as mortes que são provocadas pela intolerância. Num mundo global como o de hoje onde os direitos humanos são, pensamos nós erradamente, conhecidos por todos, em todos os cantos do mundo, assistimos a imagens que parecem saídas de filmes abjetos é a marca mais negra dos nossos tempos enquanto espécie.

Por vezes penso se será só por um Deus, se será só por um Recurso Escasso, se será só pela necessidade de domínio de um pelo outro ou se será porque temos medo e desconfiamos do outro que vive ao nosso lado e consideramos diferente. Não sei. Não consigo pensar num motivo aceitável para serem mortas pessoas de qualquer tipo, idade ou género!

Percorrendo as ruas da minha vila natal, num sábado solarengo, percebo facilmente que uma larga maioria das pessoas que estão na rua não são de nacionalidade Portuguesa e que existem crianças, muitas crianças, nas ombreiras das portas daquelas ruas que eu percorri desde sempre. Mulheres às portas das suas casas cuidam em crianças que não são dali. São da Bulgária, ou da Roménia, ou da Índia, ou do Nepal ou são dali? São crianças nascidas ali que vão viver aquelas ruas como eu vivi, inocentes de uma culpa de não serem dali. Já passado meio dia achei curiosa uma azáfama evidente na comunidade nepalesa e, depois de perguntar a quem melhor sabe, percebi que estavam a preparar a festa de entrada no novo ano (2075), ali em S. Teotónio!

Á noite fui a S. Luís (aldeia do meu concelho) para participar num momento cultural produzido por um conjunto de jovens artistas das mais diferentes disciplinas (provavelmente não é o termo certo) que decidiram estar em S. Luís e utilizar um dos espaços mais emblemáticos da aldeia, a “Loja do Catorze”, que estava abandonado. Transformaram a “Loja do Catorze” numa espécie de residência artística permanente a que chamaram “Ateneu do Catorze”.

A ideia é fantástica e o evento representa bem o que a diversidade de olhares e de técnicas artísticas pode produzir de encanto. Os artistas são mais de uma dezena, são jovens e não são naturais de S. Luís. São jovens urbanos, na sua maioria, que escolheram vir morar e continuar a criar a partir do concelho de Odemira.

Tão curioso como a não naturalidade dos jovens criadores foi a não naturalidade da vasta maioria da multidão que foi assistir ao evento durante todo o dia. No tempo em que lá estive a comunidade “nascida e criada” em S. Luís não esteve presente. Estiveram mais de uma centena de pessoas que residem no concelho, mas que são provenientes de zonas urbanas de Portugal e dos mais diferentes países europeus. Estavam também crianças, muitas crianças, que nasceram no concelho de Odemira, mas que não são dali. São algumas loiras e/ou “vegetarianas” (maneira engraçada que algumas pessoas utilizam para distinguir pessoas distintas) de Lisboa, de Berlim ou de Amsterdão. São crianças que vão viver o concelho de Odemira como eu vivi e que não têm a culpa de não serem dali. Ou são dali?

Estes dois exemplos são a evidência de que estamos a construir novas comunidades nas nossas “próprias e antigas” comunidades. Estes casos, para além desse enorme potencial transformador que têm, fazem-me perguntar como é que somos capazes de promover guerras, ataques cirúrgicos e ou de excluirmos pessoas que são, na verdade, nossos vizinhos. É como se estivéssemos a querer matar o nosso futuro!

E a felicidade que vi nos rostos de todas aquelas pessoas, umas a preparar a sua festa e outras a viver a sua festa, lembra-me bem de como é bonita, afinal, a humanidade!

Imagem de capa de politicaexterior.com