19 Abril 2020      12:06

Está aqui

Quarentenar os sentimentos?

«Ninguém morre de amor» têm vindo a dizer-me repetidamente; mas tu morreste. «Ninguém realmente aguarda por ti assim tanto tempo» têm vindo a precaver-me; mas tu esperaste. Não queremos saber, nem utilizamos relógios. Coincidências? Telepatias. Esquece tudo aquilo que aprendeste nas Matemáticas, nas Químicas e nas Físicas. Não precisamos disso; somos de letras. Nascemos e morreremos nas frases. Dissolve as memórias dos metros, litros e graus no teu chá matinal; talvez o tempo seja o único indicativo de medição perfeito e aceitável, porém, algum dia é sempre tarde.

Algum dia já é tarde; andamos sempre a correr e estamos todos exaustos. Beijamos depressa. Despedi-mo-nos depressa. Abraçamos depressa. Amamos depressa. Choramos depressa; até porque, quem semeia nem sempre colhe; porque nos ocultamos no sentimento que julgamos ser obscuro; porque pensamos que é errado; porque pensamos que a sentença está destinada e para sempre inalterada; porque temos medo de pecar e de amar; porque a suposta questão de tempo já nos assusta. Porque eu já não te sinto, amor; só a sinto a ela. Só a sinto a ela na tua pele; a tocar-te.

Eu já fui assim. Porque eu já fui assim, e tive de me suicidar para parar de destruir os meus amantes; porque a destruição anda de mãos dadas com o caos e o renascimento. Porque eu também já fiquei com medo de voltar a amar e de sentir outra vez um toque na alma; porque eu cheguei a duvidar que ainda restasse qualquer suspiro dela. Porque eu precisava de sentir algo, algo que fosse. Só mesmo porque eu deixei entrar quem nunca sentiu as minhas palavras no seu corpo. E não tolero que te tornes no que eu já fui e que agora abomino; condeno. Vergonha. Nunca mais.

A pior situação onde podemos mergulhar é na irrealidade. No falso. No «parece». Velamos por completo os nossos olhos, as famosas janelas da alma, e não vemos a realidade que, sim, é dolorosa e mortal e, vivam (morram primeiro) com isso! Não ousem duvidar das minhas palavras. Garanto que já me deram tudo o que poderiam dar e o impossível de oferecer, mas, ainda assim, não foi o suficiente. Não me dispuseram o mais importante e essencial: uns bons dedos de conversa; um passeio interminável pela baixa lisboeta; e uma troca de olhares que congela o ambiente à nossa volta. Não consigo respirar.

Memórias. Recordações. Lembranças. Momentos. Pensamentos. São todos sinónimos, mas do quê? As memórias são como as crenças; são como as religiões. Algo que abafa a crueldade que é viver todos os dias. Acreditamos na ideia de que, realmente, as memórias são eternas e nunca irão desaparecer. Sentes-te bem a acreditar nisso. Acreditas para te reconfortares; que aquele momento que tanto te marcou, ficará para sempre. Somos prisioneiros das nossas dependências e das memórias. Que ousadia. Não lamento informar, mas as recordações são blasfémicas, ou será a nossa crença enorme nelas que o é? Não são eternas. Guarda-as em algo mais certo, concreto e absoluto. As únicas coisas eternas são as nuvens, já te disse.

Observo muita perdição incorreta. Muito mau senso; muita culpa; muitos remorsos. Somos sentimentos carentes enquanto a abstinência nos consome a todos como se estivéssemos letárgicos com comprimidos. Não quero mais; não quero consumi-los mais. Recuso-me; não posso continuar a fugir da realidade. Preciso de sentir algo. Não os tomem mais. Estamos doentes e cansados, admitam e está tudo bem aí. Não somos impermeáveis nem incombustíveis. Não nos humedecemos; molha-mo-nos. Não nos aquecemos; queima-mo-nos. Não me importo de sangrar pelo que é real. Noto muita contradição. Como podem questionar a existência de Deus ou qualquer outra entidade se o questionam? Como podem sonhar se não têm sonhos? Como podem pedir assistência se não aceitam a ajuda? Como podem dizer-me que isto é o destino? Como podem dizer-me que estou bem? Não sejam idiotas, não sabem já que não se discute com sujeitos líricos? Hoje não estarei apta a compreender-vos.

Só confessamos as nossas fragilidades para quem nos fortalece, por isso, um brinde. Um brinde a ti, que fazes com que haja sempre mais um pôr do sol para eu ver. Uma homenagem aos sorrisos usados como armadura e à minha cabeça erguida, após tudo. Não me toques, por favor. Ignora a minha face, repudia este meu corpo e conhece a minha alma; contacta com ela, mesmo com mãos imundas.

É muito raro, para não dizer impossível, eu eternizar algo ou alguém na minha prosa ou poesia; no entanto, conquistaste o teu lugar na história da minha literatura. Maturidade sempre será deixares ir aquilo que mais amas, aquilo que sempre tiveste medo de perder; então vai, personalidade abstrata.

 

Natural de Reguengos de Monsaraz, Beatriz Velez tem 17 anos e estuda Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Escritora desde os 13 anos, amante dos animais e da Natureza.