14 Setembro 2021      16:18

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Projeto do Alqueva não travou perda de população no Alentejo

Apesar de terem sido investidos quase 4 mil milhões de euros no projeto hidroagrícola do Alqueva, nos cinco concelhos do distrito de Beja que concentram 85% de olival moderno, a perda de população entre 2011 e 2021 superou os 7 500 habitantes.

De acordo com o jornal Público, este investimento não travou a perda de população nestes concelhos, nem fixaram a população imigrante que aporta todos os anos à região do Alqueva para trabalhar, na sua esmagadora maioria, na colheita da azeitona e ou nas vindimas.

Ainda segundo o mesmo jornal, os resultados preliminares dos Censos 2021 vieram contrariar alguns dos cenários socioeconómicos mais otimistas expressos nos últimos anos sobre o impacto do Alqueva: “é expectável o aumento de postos de trabalho, na agricultura e na agroindústria, além de potenciar o aumento da profissionalização e capacitação da população, contribuindo para a sua fixação e promovendo a renovação de gerações”, antecipava o estudo “Alentejo: A Liderar a Olivicultura Moderna Internacional”, apresentado em Beja na 6.ª edição das Jornadas da Olivum – Associação de Olivicultores do Sul, em novembro de 2019.

O mesmo documento sublinhava como o “novo paradigma, produtivo e de regadio, gerou um conjunto de novas circunstâncias e importantes impactos no aumento do emprego e na dinamização de um território que estava adormecido”. Do ponto de vista económico “assistimos a uma verdadeira revolução” pois em “poucos anos a cadeia de valor do azeite passou a valer cerca de 450 milhões de euros”.

Também a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), no estudo que apresentou em novembro de 2020 sobre o “Olival em Alqueva - Caracterização e Perspetivas”, reforça o sentido promissor do projeto: “O desenvolvimento da fileira oleícola apresenta um impacto económico-social evidente na região (…) e traduz-se em criação de postos de trabalho, aumento de riqueza por via da produção agrícola e industrial, bem como no desenvolvimento de atividades a montante e a jusante” do Alqueva.

Contudo, fazer uma análise global do impacto do desenvolvimento oleícola em Alqueva “apresenta sempre dificuldades no que diz respeito à obtenção de informação que permita tirar conclusões”, diz o estudo. Além disso, embora a produção seja realizada na zona do Alqueva, “boa parte das explorações são pertença de empresas que têm a sua sede fora da região, sendo difícil poder extrair mais informações”.

Para mais, os números sobre o emprego gerado pelo projeto são igualmente insuficientes e díspares. O estudo apresentado pela Olivum apontava para “cerca de 32 000 pessoas a tempo inteiro, apesar da sazonalidade de muitas das tarefas” enquanto o estudo da EDIA publicado no final de 2020 faz referência a 9 600 postos de trabalho.

Por seu lado, antecipando cenários para a segunda fase do projeto Alqueva, com a instalação de mais 47 mil hectares de novos regadios, o ex-ministro da Agricultura, Capoulas Santos, previa que nos novos blocos de rega pudessem vir a trabalhar 17 mil pessoas.

Uma das explicações para que o êxodo de pessoas na região não tenha parado reside no facto de a riqueza gerada não ficar na região, estando na mão de grandes empresas.

Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo (AABA), disse ao Público que quando se está prestes a comemorar (em fevereiro) os 20 anos em que a albufeira começou a encher, “estamos a assistir à financeirização da agricultura” nos 120 mil hectares iniciais e mais 47 mil da segunda fase que a enorme albufeira irriga.

A ausência de um “plano estratégico de desenvolvimento e de ordenamento do regadio com uma visão global” leva-o a questionar o que fundamentou a construção do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva. “Parece que foi mais uma exigência das empresas de obras públicas para se fazer mais uma obra com um custo de 2,5 mil milhões de euros, e um aproveitamento dos fundos europeus, do que uma exigência dos alentejanos na mudança e no acreditar que o desenvolvimento que o recurso natural água iria trazer ao Alentejo”.

A financeirização da agricultura em Alqueva está a levar a uma “concentração de grandes áreas de terra, dominadas por empresas que estão a verticalizar todo o processo produtivo”.

O estudo da EDIA ​“Olival em Alqueva – Caracterização e Perspetivas” corrobora a observação de Francisco Palma, confirmando que a diminuição de apoios a fundo perdido para o investimento no regadio veio expor “maiores dificuldades para as pequenas e médias empresas poderem realizar investimentos em olival”, deixando “quase exclusivamente para os grandes grupos empresariais a instalação de novos projetos”.

Esta tendência em Alqueva tem levado a uma “onda especulativa dos preços da terra, quer para venda, quer para arrendamento”, destaca o presidente da AABA. “Não existindo dados oficiais, posso dizer, pelo meu conhecimento da região, que mais de 60% das terras dentro do Alqueva mudou de mãos desde 2001”. Tal tem conduzido a um “aumento das áreas exploradas por grandes grupos agroindustriais, financiados por capitais da indústria financeira” que deixam pouco espaço para as explorações agrícolas de raiz familiar, acrescenta Francisco Palma.

O “Estudo do Impacte do Projeto Alqueva na Economia Portuguesa, 2016, Augusto Mateus & Associados”, estima que o acréscimo de receitas fiscais, referentes a impactos diretos e indiretos do desenvolvimento do regadio de 170 mil hectares possam a ascender a cerca de 200 milhões de euros anuais.

Tendo em conta que cerca de 60 % da área em causa está ocupada por olival, o impacto nas receitas fiscais referente ao desenvolvimento desta fileira pode chegar aos 70 milhões de euros anuais.

Segundo Paulo Arsénio, presidente da autarquia de Beja, parte desta riqueza fica na região, “mas gostaríamos que ficasse mais”. Para o autarca, o montante que é deixado nos cofres da câmara do IMI rústico “é um escândalo”. “Cerca de 99% do IMI que recebemos é urbano e apenas 1% é rústico”, ou seja, um cidadão que tenha a sua casa na cidade “paga mais de IMI que uma grande exploração agrícola com terras classe A”. Na prática, o IMI rústico “deixa nos cofres da câmara de Beja cerca de 40 mil euros”.

As verbas que o município recebe da derrama e do IMI rústico não pagam o arranjo dos caminhos agrícolas, destruídos pela intensa circulação de máquinas e viaturas pesadas que executam tarefas nos olivais. “Custa muito dinheiro à autarquia recuperá-los”, diz o autarca, acrescentando que “procuramos através de ações de mecenato obter apoio para a instalação de um parque infantil, de um campo de jogos ou de um jardim” nas aldeias rodeadas de olival. “Nem respostas houve aos nossos inúmeros pedidos”, lamenta Paulo Arsénio.

 

Fotografia de edia.pt