17 Maio 2018      17:32

Está aqui

Portugal no mundo

Ao ver o Egito em convulsão na praça Tahrir, a dominar os títulos da imprensa mundial com os seus conflitos internos, a ouvir os gritos de liberdade e os estridentes barulhos de pólvora…

Ao ver o ensino na Suécia, a sua posição no mundo, a sua aceitação de refugiados, o seu nível de vida e a sua condição de respeito internacional…

Ao ver o dinamismo económico do Vietname, frenético e imparável, com as suas construções megalómanas e instantâneas, e a assistir à força de uma nova geração que diariamente renova a imagem de um país…

A minha experiência pessoal permitiu-me ver tudo isto, mas quando refletia sobre o que se passava à frente dos meus olhos a minha reflexão não era sobre o que via, mas sim sobre o que os meus olhos tinham deixado para trás. Quanto mais me posicionava no mundo, mais me questionava sobre onde estava Portugal nesse mesmo mundo.

A resposta a essa pergunta sempre me perseguiu e a sua busca tornou-se incessante. Quem somos nós enquanto nação? Qual o olhar dos outros sobre nós? E qual a importância desse olhar?

Numa semana esquizofrénica, essa pergunta voltou como de assomo à minha cabeça. No sábado fomos capazes do melhor. Recebemos a Eurovisão, apresentámos o melhor do nosso país, desde a música contemporânea de Branko e Mayra Andrade, até à beleza cénica das nossas paisagens. Foi um espetáculo de luz e cor, repleto de portugalidade com uma audiência de 300 milhões por esse mundo fora.

Ontem aconteceu o oposto. As páginas dos jornais internacionais abriram com um episódio selvagem e provinciano. 50 radicais entraram numa propriedade privada e decidiram espancar um plantel de futebol profissional. Não que seja normal em Portugal, ou até que impere um estado de violência na nossa sociedade. Mas a mensagem que passa é que assim o é. E para quem leu esses jornais os danos reputacionais estão já consumados.

E algo tão frágil como a reputação global pode mover bolsas de valores, operar mudanças de governo, impactar taxas de juro ou até, no limite, levar a queda de bancos.

E o Alentejo também não é alheio à posição de Portugal no mundo. Os fundos de coesão territorial constituem a nossa maior fonte de investimento e são atribuídos em sede de concertação europeia. E as exportações afiguram-se como a nossa maior fonte de rendimento. A nossa perceção pelo estrangeiro pode afetar os fundos de coesão, como a situação internacional pode diminuir ou aumentar as nossas exportações.

No mundo em que vivemos hoje conceitos como reputação, influência, poder económico e poder político estão totalmente interligados. E dependentes de variáveis que antes não se colocavam.

Hoje vivemos numa ordem multipolar - assim os teóricos a classificam - em oposição a uma ordem mundial bipolar ou unipolar.

Durante a Guerra Fria vimos duas grandes potências a digladiarem entre si pela hegemonia militar, económica, cultural e política, onde todos os outros países eram apêndices na persecução desse objetivo. Criaram-se blocos, como a NATO e o Pacto de Varsóvia, e até a lua era um objetivo para atingir o domínio. Vivíamos num mundo bipolar, onde os Estados Unidos e a União Soviética ditavam as regras do jogo.

Com a vitória dos americanos inaugurou-se a ordem unipolar, os Estados Unidos assumiram totalmente as regras desse jogo que são as relações internacionais. O dólar tornou-se a moeda mundial, o Inglês a língua internacional, Hollywood a capital cultural internacional e o exército americano a força militar mais poderosa. Os interesses dos americanos imperavam sobre tudo o resto, e a sua percepção ditava o curso normal dos acontecimentos.

Hoje, e desde há uns tempos para cá, o mundo é outro. Vivemos num mundo multipolar, com vários centros de poder. A internet revolucionou a cultura e reinventou os centros de poder, potências regionais aproveitam-se do crescente isolacionismo do Estados Unidos, a tecnologia blockchain está a pôr os Bancos Centrais em cheque, Hollywood não tem mais a hegemonia cultural. Existe Bollywood na Índia, Nollywood na Nigéria e até qualquer youtuber em casa consegue ter uma grande preponderância internacional. Descentralização é o mote das relações internacionais, e isso cria oportunidades. Portugal é uma delas.

Neste contexto em que existem vários centros de poder, nós ocupamos uma posição privilegiada. Partilhamos uma língua com 265 milhões de pessoas espalhadas por nove países em 4 continentes, fazemos parte do maior mercado livre mundial, a União Europeia, estamos seguros militarmente pela Aliança do Atlântico e temos quase mil anos de história.

Mas afinal, quem nós somos neste mundo? A nação contemporânea que acolhe eventos, recebe milhões de turistas, é diversificada e tolerante? Ou os saloios selvagens que agridem meia dúzia de futebolistas?

Era esta permanente dúvida que me assolava quando pensava na posição de Portugal no mundo. E acho que ela existia porque nós, enquanto entidade coletiva ainda não a conseguimos responder.

Podemos ser Portugal, europeísta, lusófono, que se maravilha com a ginga da música cabo verdiana cantada em Lisboa, que abre as portas da lusofonia à Europa, capaz de se afirmar como feminista, ativo no combate às alterações climáticas, inovador na persecução de tecnologia verde, que aposta forte na investigação e desenvolvimento, uma nação de diplomatas que entende os países em vias de desenvolvimento, mas que integra o clube dos países desenvolvidos. Que não olha a cor, credo, género ou orientação sexual. Uma verdadeira nação progressista no sul da Europa. A par de países como a Suécia, Dinamarca, Holanda, França, Canadá, Nova Zelândia ou até o Uruguai.

Podemos perfeitamente ser esse país, e parte de nós já o é. Mas entretanto esquecemo-nos de tudo e ficamos especados a discutir futebol como assunto nacional. A ver selvagens a agirem num clima de ódio e retórica inflamada. Onde a comunicação social tradicional  e o poder político dispende horas a fio a analisar comportamentos de dirigentes desportivos, como se do superior interesse nacional se tratasse.

Somos capturados pelo provincialismo quando poderíamos ambicionar ao progressismo. Somos capturados por meia dúzia de saloios quando poderíamos ouvir os nossos artistas contemporâneos.

Podemos ser Salvador Sobral, mas às vezes preferimos o Bruno de Carvalho.

É nesta estranha dicotomia que reside a resposta ao nosso desígnio futuro.

Imagem de capa de Marc Wonnink