7 Janeiro 2023      12:38

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A planta

No dia em que foi à grande superfície, que poderá ter sido qualquer uma, a mulher de cabelo encaracolado sabia que havia alguma coisa que teria de forçosamente trazer consigo para casa.

Não sabia, naquele momento dos pensamentos dispersos e ainda muito iniciais, do que se tratava. Havia nela um impulso de levar consigo alguma coisa que lhe faltava.
Nas suas idas regulares a essa grande superfície, onde se abastecia das coisas do dia a dia, necessárias ao consumo humano e à sobrevivência da espécie, trazia normalmente consigo pão, ovos, carne, algum peixe em filetes ou congelado, frutas, vegetais, laranjas (caríssimas), fiambre e, por vezes azeitonas kalamata. Não encontrava nestas grandes lojas as azeitonas portuguesas de que tanto gostava. Para essas, ia a outras lojas, que lhe traziam o mercado da saudade até à sua mesa.
 
Claramente, a mulher não vivia em Portugal, pelo que os produtos que tanto lhe recordavam a terra onde tinha nascido e vivido parte da sua vida, ficavam longe do lugar onde tinha decidido comprar casa.
Assim acontece com tantos consumidores, de diversas nacionalidades, que aproveitam os mercados da saudade para reproduzir a sua pertença e adoçar o paladar.
A mulher do cabelo encaracolado hoje iria a uma grande superfície que não tinha propriamente as coisas que serviam o seu paladar. Havia alguma coisa fora do vulgar que precisava comprar naquele supermercado. Ia muito além de comida ou bens essenciais. Não era mobiliário ou aparelhos de qualquer índole tecnológica.
 
Saberia quando chegasse ao lugar. Assim pensava. Nunca tivera a senhora leitora ou o senhor leitor essa urge de pensar que há algo que tem de cumprir ou fazer, sem saber ainda o que é precisamente.
Chegada à grande superfície, cujo estacionamento estava praticamente repleto, os carros grande acumulavam-se e faria um primeiro esforço para decorar o local onde deixar o seu carro. Trocou o seu carro por um outro carrinho que conduziu meticulosamente até ao interior da loja. Logo na estrada os grande cartazes repletos de promoções. Umas apelarias, outras enganadoras, outras ainda nem uma coisa nem outra.
 
Foi primeiro à zona das frutas e dos frescos, passou pelas carnes e aquilo que estás superfícies pensam ser a zona do pescado e marisco, apanhou e encheu o carrinho com as coisas do costume. Ignorou propositadamente as áreas de farmácia, refrigerantes, massas, aparelhos electrónicos e chegou ao fundo, onde espreitavam os materiais de bricolage que two pouco lhe interessavam.
Seria, porém, além desses corredores para si irrelevantes que uma porta espreitava e, do lado de fora, uma área de grande capacidade, onde nunca tinha entrado, se estendia. Era a área das plantas e flores.
A mulher perderia a batalha contra a curiosidade e passou o portal, como se entrasse numa outra dimensão. Mais verde, mais quente. Ainda que fosse inverno e o frio entrasse pelas frestas do espaço, a luz do sol entrava também, enganadora.
 
Passou por várias plantas sem que nenhuma lhe chamasse propriamente a atenção. Quando chegava já ao fim do labirinto que era aquele espaço, uma planta robusta, embora esguia, cujas folhas se estendiam no ar, lembrando a pele de uma cobra ou serpente. Nasciam naquele mesmo vaso diversas folhas que tentavam crescer umas mais do que outras para chegar mais cedo aos céus ou, por outro lado, como se fossem valentes espadas capazes de iniciar uma batalha.
 
A mulher tinha perdido a batalha da curiosidade ao entrar naquele lugar. Só de olhar para aquela planta, cujo nome desconhecia, sentiu-se segura e soube, naquele momento, que o seu desígnio e a compra que premonizara, estava ali na sua frente. Uma planta que a protegeria e ficaria de guarda, na sua porta de entrada.
 
Adicionou ao carrinho e encaminhou-se para a saída, na companhia não de uma, mas de muitas espadas que até hoje fazem guarda em sua casa.