2 Julho 2016      10:28

Está aqui

PÉS LAVADOS

"PARALELO 39N"

Descontraído. Sentado na varanda do meu minúsculo apartamento, num tórrido dia de Verão, olhava para o mar em frente, através de um olhar escurecido pelos óculos de Sol vintage. O prédio ficava num décimo segundo andar e não era, em nada, diferente, de todos os outros que se dispunham virados para o oceano. Era um dia quente. Tão quente quanto todos os outros antes, começando a contas nos catorze dias em que estava na praia.

Estava de férias. A minha ideia de férias era ir com a mulher e os filhos uns dias para a praia. Não pensar em nada. Comprar o jornal de manhã, lê-lo antes do meio-dia, e ficar deitado na areia até às dez horas. Depois, parar na pastelaria onde ia todos os dias e, acompanhado da mulher, sentar-me a ler o jornal pela segunda vez, só para me certificar que não me tinha escapado nada das coisas do mundo, quase todas irrelevantes nesta altura, principalmente a nível nacional ou não fosse a silly season como a ela todos se referiam. Os filhos ficam na praia. Andar atrás dos velhotes já não era bem para eles, embora ainda não fossem adultos o suficiente para chegar ao apartamento à mesma hora em que estávamos a sair para a praia.

Descontraído, olhava para o mar. Era quase hora do almoço. Tinha acabado de acender o fogareiro que estava ao meu lado a começar a fumegar. O carvão deixava um cheiro que se misturava com o cheiro da maresia e mudaria logo que os pimentos e as sardinhas, às quais tinha posto sal, tocassem a grelha. Na cozinha, a minha mulher acabava a salada e tinha as batatas a cozer ao lume. Na televisão, acabava um programa da manhã e preparavam-se as notícias da uma, sem grandes novidades, à semelhança dos últimos catorze dias. À noite havia jogo. Seria esse o destaque de todo o jornal televisivo.

Por cima e em baixo, ao longe e ao perto, as gaivotas, poucas, sobrevoavam as pessoas que, como se fosse frangos a grelhar, se dispunham em cima de toalhas coloridas e dispostas encarando a espuma branca que as ondas faziam quando tocavam na areia escaldante. O almoço hoje era sardinha assada. Acabava uma mini enquanto o lume aquecia cada vez mais. Esticava as pernas e segurava os pés no muro da varanda. Olhava as unhas dos pés e pensava no bronze que mal tinha. Não queria também passar o dia todo a torrar só para me vangloriar que tinha estado na praia. Tinha, efetivamente, estado e tinha lavado os pés todos os dias na água.

No dia seguinte seria o último dia que, nesta temporada balnear, os lavaria. Gostava de nadar uns metros mas, este ano, a água parecia-me mais fria que nunca. Não poderia nunca ter comprado o apartamento noutro sítio onde a água tivesse ainda uns graus a menos. O almoço grelhava e preparava-se a quatro mãos. As quatro bocas seriam para o consumir. E, por falar em quatro bocas, faltavam duas delas. Isso mesmo já notara a minha mulher que me gritara da cozinha a ordem de chamar os miúdos para o almoço que isto de ficar na praia na hora do calor não é bom. O telefone tocou, tocou e ninguém atendeu. Descontraído ainda mas quase chateado teria ficado mais não fosse a mensagem de resposta, por escrito, a dizer, ya, pai, já tamos no ir. Na mesa, quatro pratos, oito mãos e quatro bocas a consumir o almoço. Nós, os adultos, um copo de tinto, quase a dormir, e a sesta a seguir ao almoço. O jantar, no último dia será fora, em jeito de despedida de duas semanas.

No décimo quinto dia, uma breve ida, sempre descontraída, à praia para lavar os pés, acompanhada do ritual de todos os dias, empacotar os calções e as toalhas, entulhar a bagageira do carro e sonhar com o regresso. 

 

Imagem daqui