19 Junho 2022      10:06

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Paga e não bufes

Se não notou a gigantesca escalada de preços a que temos assistido nos últimos meses será certamente porque chegou agora de um planeta distante. Na passada sexta 17, segundo dados do Eurostat atingiu-se uma variação homóloga de 8,1% dos preços nos países da moeda única, o valor mais elevado desde a criação do euro. No total dos países da União Europeia foi ainda mais alta: 8,8%.

Esta escalada de preços tem sido atribuída ao pós-pandemia e sobretudo à invasão da Ucrânia pela Rússia e consequentes sanções, com grande influência nos combustíveis que, por sua, vez têm influência em tudo o resto. Até aqui eu – sendo um leigo no que toca a Economia – percebo.

Uma vez mais, o que não percebo é a absurdidade dos aumentos e que, depois das crises económicas anteriores, ficamos já na dúvida: quem nos anda a roubar agora?

As teorias liberais económicas terão surgido no século XVIII e têm por base um conjunto de pressupostos e ideias, que, resumido rudemente, defende a abstenção do Estado de intervir na economia, devendo somente assegurar a existência de bens e serviços que os restantes agentes económicos não estejam interessados em oferecer. A regulação de preços faz-se de acordo com a “lei da oferta e da procura”. Até aqui não parece muito mal, mas estes teóricos partiram de um princípio errado e que não equacionou um fator essencial para o sucesso (no caso insucesso) deste modelo económico: a ganância (curioso que esta seja a palavra espanhola para lucro).

Sobretudo a crise económica de 2008, demonstrou que o liberalismo falha redondamente com a falta de regulação e o aumento gigantesco da dimensão de muitas empresas que se tornam, para o sistema assente em conceitos virtuais, “to big to fail”, arrastando atrás de si povos e Estados que acabam por pagar os roubos e as más gestões de alguns. (Não vale a pena nomear casos e nomes, certamente já lhe surgiram alguns na cabeça.)

Mas se acha que esta história da ganância é conversa demagógica, observe o seguinte: após a pandemia os ricos estavam mais ricos e os pobres mais pobres, tendo passado mais de 160 milhões de pessoas para baixo do limiar de pobreza (dados da Oxfam de janeiro deste ano).

Este relatório da Oxfam – que usou dados compilados pela Forbes - revelou que as dez pessoas mais ricas do planeta viram a fortuna duplicar e que 99% da população viu os rendimentos baixar. Esta quebra dos rendimentos contribui mesmo para a morte de 21 mil pessoas por dia, além das vítimas diretas da Covid. Isto no mesmo ano em que alguns dos que ficaram mais ricos se divertiram a passear no espaço enquanto os Estados tiveram que injetar triliões de euros nos mercados financeiros para salvar a economia e combater a pandemia.

Equacionando tudo isto, talvez já se pense duas vezes quando se defende o fim do SNS ou a privatização de sectores essenciais para a democracia como a Educação e a Justiça.

Quanto aos combustíveis, é já banal o aumento dos preços à segunda. Mas perante as notícias de aumento e quebra do preço do barril de crude, não ficam sempre com a sensação que quando este sobe o combustível sobe, quando este baixa… o combustível mantem, quase sempre, o seu preço. EM 2003 ou 2004 o preço dos combustíveis foi liberalizado. Normal seguindo a corrente económica vigente, no entanto, face a uma expectável quebra de preços de modo a aumentar a concorrência – como tinha acontecido em quase todos os países que o fizeram antes – em Portugal, deu-se o oposto um aumento, de todas as marcas. Segundo o relatório da Autoridade da Concorrência de Dezembro de 2004, o preço do gasóleo subiu 46,7% nos primeiros 11 meses após a liberalização e o preço do petróleo, nesse mesmo período, só cresceu 37%. A regulação ou a implementação de mecanismos corretores ou até punidores pelos incumprimentos falhou em 2004 e continua a falhar, não tendo meios nem recursos (haverá vontade?) de acabar com a estrutural cultura de cartelização encapuçada da economia portuguesa.

E agora, em 2022, cá continuamos a pagar tudo a “peso de ouro” e pedem que paguemos e não bufemos?

Não ambiciono nem defendo um mundo em que todos tenham o mesmo saldo na sua conta bancária, mas é um absurdo perigoso a bipolarização cada vez mais acentuada entre rico e pobre, o fosso que separa ambos, sem classe média pelo meio. É atroz e antidemocrático a promoção deste fosso através da permissão de negociatas, jogadas de bastidores e não regulação do sistema quando os valores são de vários zeros ao mesmo tempo que se assiste ao estrangulamento das classes médias que estão a viver já no limiar do ordenado mínimo.

“Portugal tem das desigualdades mais elevadas dos países europeus e devido a isso e às frustrações entre aqueles que sentem que estão a ser excluídos ou prejudicados, quero alertar que o caminho para a desigualdade, a desigualdade branca e os salários estagnados para a maioria, são uma via que corre o risco da demagogia e potencialmente da perda da democracia.” alertou Robert Reich - economista e ex-secretário de Estado do Trabalho dos Estados Unidos da América - em 2013.

Cuidado.

 

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