12 Abril 2020      12:32

Está aqui

Oxímoro

Perdi a oportunidade de estar calada. Já havia sufocado há uns dias, e as palavras saíram disparadas como punhais, imperdoavelmente; perdoa-me (ou não). Sinto que não estou bem e nada está mal. Fecho os meus olhos. Inspiro; mas suspiro. Nada vejo. Nada sinto. Já nada me arrepia. Rogo-te por uma excomunhão; sentirei algo?

Rapidamente descobri-me íntima, infinita e ínfima. Inferi à minha mente de que as escolhas são fruto de um grande leque, mas tão escassas, e que as facas partiram juntamente comigo; no meu peito. Como adquirir, pela última vez, gosto pela vida se já morri tanta vez? Define-me o “prazer”. Toco na minha pele; é fria e revestida com veludo. Sou frágil; nós somos. Ampara-me a compreensão do que devo fazer quando me encontro noutra altura e noutro corpo – tu. Vivo com identidades que não são minhas e, por isso, não consigo ser algo assim tão superficial; desculpa. Ou não. Não lamento a minha veemência e a violência que habita no meu peito.

Infiéis, continuamos. Continuamos a percorrer as estradas escaldantes que nos mantêm os pés a salvo, exceto a alma; queima-nos a alma de forma impiedosa. Cheguei ao meu ponto de rutura e fragmentação extremamente complexa enquanto ser - e é aqui que o trauma se dá e abala as nossas estruturas. É aqui que sangramos para sempre. Não creio em nada mais a não ser numa felicidade aparente e esta corrói a inevitabilidade da Humanidade. Sabias que a fome também tem fome? Não me forces a sair do meu casulo, morrerei, de novo. Comunga-me tal e qual como sou, porque estou destruída e modificada; evoluída e preparada. Eu estou aqui.

Recordo-me, vagamente, de soltar um sorriso por entre os meus lábios ao dizer «Não tenho medo da morte»; também me recordo de não pensar muito sobre o assunto, ou talvez pensar em demasia. Lembro-me de suspirar e fechar os meus olhos lentamente ao admitir que só tenho medo daquilo que conheço, e que o meu maior conforto reside naquilo que me é desconhecido. Acho irreal a beleza que a escuridão adquire quando se encontra com o meu corpo. Não sei até que ponto podemos esventrar a nossa mente e os nossos desejos com as ditas curiosidades que costumam matar o gato; mas não é suposto terem as 7 vidas? (Quantas tenho eu?) A curiosidade e a adrenalina costumam trazê-lo de volta; menos a mim; menos a mim, não afogues esta emergência no teu inconsciente. Não me quero deixar levar. E, se quando acabar, já não tiver sítio para voltar? Para onde voltarei? Isto é, se eu chegar a voltar (e a ir). Ser-se grande implica ter humildade e muita humanidade. Não voltarei, jamais. Impossível partir e voltar para trás. Acompanhas-me? Consegues. Cheguei até onde cheguei. Mas onde estou? Até onde cheguei? A ti. E não conseguiria sentir maior êxtase.

É um fardo deixarmos de ser algo ou alguém, mas eu sempre quis ser um nada – invisível. Mas tu sempre me conseguiste ver; até mesmo desde o primeiro dia. Chegaste agora. Agora que estou magoada, moribunda e cheia de marcas; sempre que falo disto as feridas voltam a abrir-se. Talvez goste de salgar as próprias fendas profundas do meu corpo; da minha alma? Ganhei estas cicatrizes ao mutilar as partes do passado condenado que ainda estavam em mim; mas existe sempre alguém que não quer saber das cicatrizes, e que tem um peito e uma alma tão destruídos como o nosso. Tu. Mil vezes, tu.

Gostas de beijar as minhas feridas e refazer os pontos, tornando a cicatriz mais densa. Tornando-a eterna e permanente. Visível aos olhos dos pecadores e pagãos. Mas dói tão bem… Quando dói tão bem o que fazes? Quando dói tão bem, tu partes? Promete-me que não. Corres sempre para mim em primeiro lugar e não sei o que há para negar. Estou a tentar arduamente não me meter em desastres e sofrimentos, mas eu tenho uma guerra na minha mente que, de alguma forma, me impede de ver a tua verdadeira imagem – essências ocultas ou perdidas? Eu sou o caos, mas juro está tudo organizado. Sou uma casa em ordem. Tudo aquilo que eu julgava que fossem imperfeições chamaste-lhes de charme. E, por causa disto, espero mesmo que todas as vidas que te magoaram tenham dificuldade em adormecer à noite; porque eu teria (o quão impossível e impensável é a ideia de te magoar?).

Meu amor, mas tu sabes que sou medusa e nunca verão o meu lado enquanto o homem predominar neste mundo; mas, por favor, continua a ver-me, tal como me viste quando eu estava invisível. Tu viste-me, quando mais ninguém o fez. Preciso que me surpreendas porque a previsibilidade faz-me sentir insana.

Traí os meus princípios e ideais, e já não sei como me afundar perante isto; face a este longo corredor (demasiado claro para os meus olhos) com altas paredes que me consumem a cada dia que passa. Dado isto, que se inicie, então, a minha crónica blasfémica. Espero que isto não me mantenha acordada durante a noite (ou, até mesmo, durante o dia) – estou farta da luz.

 

Natural de Reguengos de Monsaraz, Beatriz Velez tem 17 anos e estuda Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Escritora desde os 13 anos, amante dos animais e da Natureza.