14 Fevereiro 2016      10:31

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OS PORMENORES DAS CASAS QUE CONSTRUÍMOS

"INCONSTÂNCIAS"

Sei pouco desta realidade como dela me contam. Sei pouco da loucura que é sentir-se demasiado e dizer demasiado pouco por isso quando me perguntam o que é o amor nunca respondo concretamente. – Parece tão simples quando pensamos abstratamente no conceito do amor mas de alguma forma as palavras parecem nunca estar ao nível de uma descrição digna.

É simples acreditar que o amor são as montras decoradas em rosas e vermelhos vibrantes. É simples acreditar que o amor tem as mesmas cores porque nós gostamos de simplicidade. Parecemos não conseguir nunca ultrapassar a nossa inevitável condição imprecisa e a irritante complicação que são as emoções humanas. Um dia descobriremos que é mais simples aceitá-las e trabalhá-las como se trabalha uma casa – constrói-se. E no final não importa de que cor pintámos as paredes, mas o esforço e o prazer que nos deu construir aquela casa.

Construir uma casa não tem nada de fácil. Impõe-nos uma paciência que magicamente desapareceu das nossas relações com os outros. Impõe-nos o sacrifício de compreender que o amor não se pinta de vermelhos e rosas brilhantes e que não é num dia do ano todo que se celebra. Que se celebra verdadeiramente.

Quando me perguntam o que é o amor calo-me e vejo-te a acordar de manhã em trejeitos precisos que mais ninguém conhece. Vejo-te a dizer-me ‘Bom dia gato’ e penso que o amor é saberes que sou louca por gatos e não achares estranha a obsessão a que tantos torcem o nariz. Penso que o amor é saberes que o ‘Bom dia gato’ chega para que o dia comece bem. O amor é também saberes que tens que me destapar senão não me irei levantar e teres uma caneca de café duplo à minha espera porque de manhã é a minha primeira necessidade. Quando me perguntam o que é o amor eu não lhe sei dizer de ti como nunca ninguém me sabe dizer, ao certo, de quem amam porque as palavras não chegam.

Não que o amor peça muitas palavras. Sim, pensamos sempre que o amor pede demasiadas palavras mas na verdade ele é muito simples, tão extremamente simples que a sua simplicidade nos escapa no dia-a-dia como as horas pela distração. O amor pede apenas um peito aberto e uma face disposta a bater e ser rebatida. Uma face disposta a doer porque o amor dói muito ainda que ninguém o queira dizer.

Eu, hoje, quero dizê-lo. O amor dói muito. Dói tanto que por vezes não chegamos a curar essa dor e até na dor é amor. É amor nas coisas pequenas como nos detalhes que passam a fazer sentido ou os gestos que passam a fazer falta. É amor até no vazio porque não se esvai como os corpos etéreos que nos sustentam e nos deixam sem avisar. O amor é amor sobretudo na saudade porque é a confirmação de que é realmente amor.

Quando me perguntam o que é o amor não consigo dizer-lhes das noites em que não me deixaste chorar sozinha. Não lhes consigo falar do desespero que embalaste no teu colo até adormecer enquanto recusavas as tuas próprias lágrimas porque o amor estava a doer-te muito. Nunca lhes consigo falar das noites em que acordavas pelas quatro da manhã e apanhavas e voltavas a reunir as palavras que fugiam das frases que fugiam da minha cabeça que fugia do meu corpo. O amor foi nunca teres fugido de mim quando eu fugia de mim e quando o amor doía muito.

As montras decoradas não me dizem nada. Os corações, as rosas, os chocolates. Os presentes caros que qualquer um pode comprar não são para mim tanto quanto o São Valentim não o é. O amor, este amor de que vos quero falar hoje, não se aprende num mísero dia e não se mede por chorudas contas. São antes muitos anos repletos de lágrimas, suor e sangue. Anos repletos de vida e de morte que se celebram todos os dias nos pormenores minuciosos que é aprender alguém e ao aprendê-lo, compreendê-lo. Compreendê-lo até quando não faz sentido nenhum a compreensão e, no entanto, existe essa fantástica maravilha no amor: o impossível que das mãos se torna possível.

Constrói-se a casa e depois notam-se as falhas das paredes, os pingos de tinta no rodapé, o mosaico torto do chão e são as falhas das paredes, os pingos de tinta no rodapé e o mosaico torto do chão que a tornam a nossa casa. E a nossa casa foi construída com as nossas mãos, o nosso suor, o nosso sangue. O nosso amor que por vezes dói muito mas é capaz de construir casas – de se construir.

Quando me perguntam o que é o amor lembro-me das nossas tardes a assistir aos filmes da Disney. Nós, jovens adultos, lavados em lágrimas com as músicas dos filmes da Disney e na tua voz sempre aquele riso que quer dizer: somos tão ridículos. Aquele riso que no fundo diz: ser feliz é também ser ridículo contigo. Lembro-me dos sábados em que me pegas na mão e em silêncio dizes: não tenhas medo deles, tu sabes quem és. Eu sei quem és. Quando me perguntam o que é o amor não consigo não me lembrar dos pequenos presentes que me dás todos os dias: estar presente, ser presente.

Não sei muito acerca da realidade da qual me falam. Ignoro a necessidade de existir um dia para festejar o amor. Festejo o amor todos os dias da melhor forma que sei e a verdade é que por vezes não o sei festejar e até aí sou amor. Porque no fundo, para amar, para festejar o amor não precisamos de muito: um peito aberto, uma face pronta a doer, sangue, suor e mãos que construam – Casas, pontes- mas que construam.

Quando me perguntam o que é o amor eu sei que o amor és tu a doer porque me dói e eu a doer porque te dói. Sei que sou eu feliz porque estás feliz e tu feliz porque eu estou feliz.

Quando me perguntam o que é o amor eu pergunto de volta: quais são os pormenores que recordas quando pensas em amor?

 

 

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