24 Julho 2021      08:40

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O pânico

A noite caía devagar, marcando a transição entre o claro e o escuro. O coração de todos e de cada um batia de forma forte e acelerada. Eram muitos os corações que se emparelhavam e desenfreado o ritmo que, sendo ligado em máquinas, faria os motores do mais forte camião funcionar sem problema algum. Mas havia razão para tal. Na noite que se instalava devagar, a velocidade dos acontecimentos criava o pânico e os intervenientes sentiam, mais profunda que ninguém, a carga de ansiedade que a realidade trazia consigo.

Os olhos de todos viam-se alados em chamas. O fumo inebriante que sufocava os pulmões entrava pelos narizes. As labaredas que devoravam os montes em frente e se aproximavam do lugar onde estavam deixavam antever uma noite que podia ser a porta do Inferno, como visto ao longo dos séculos. Nenhuma imagem era mais infernal do que aquela. Nenhum registo de emoção superava aquele pânico que todos partilhavam entre si.

O olhar quente e incendiado era mais aterrador do que qualquer outra imagem. Tudo ardia. Tudo deixava de ser verde para se tornar em cinza. Essa mesma cinza que entrava pelos narizes e se instalava nos pulmões viajava quilómetros e tornava as peles das mulheres e dos homens mais escuras e mais amedrontadas.

O pânico não se via, sentia-se em cada olhar, em cada gota de suor, em cada gesto ou grito de medo soltado. Não corriam, não fugiam. Parecia que, tal como a mulher de Lot, ficaram transformados em sal, por olharem a devastação que deles se aproximava. Às vezes, o pânico faz-nos correr e gritar, faz-nos desesperar e morrer na tentativa de sobreviver. Os nossos instintos mais básicos sobrepõem-se aos nossos mais racionais pensamentos e as decisões são impulsos não editados.

Outras vezes, o pânico congela-nos os movimentos e não nos deixa reagir. A estes a quem o fogo olhava de frente e que sentiam a devastação e o fim sem dele poder escapar, tinham em si a palavra pânico sem que do dicionário conhecessem todas as entradas e todos os significados. O pânico é a mistura do medo com os mais básicos instintos de sobrevivência.

Há quem nos pergunte: que farei quando tudo arde? Há quem crie hortos de incêndio. Talvez a racionalidade nos explique os sentidos que ignoramos, ou que preferimos esconder. O pânico encontra um caminho de entrar em nós, seja pelos olhos, pelos ouvidos, pelo nariz. Invade-nos os sentidos e torna-nos primários, privando-nos da complexidade que somos nós. Naquela noite, enquanto as chamas consumiam os montes e as almas, havia felizmente aqueles que, trazendo consigo as águas que acalmam o pânico dos que nada podem, limpavam as peles, apagavam as chamas dentro dos olhos e baixavam o ritmo dos corações de quem não tem defesa e está acossado. O pânico desta vez não nos fez correr, mas também não nos subjugou. Foi embora calmamente, misturado entre as lágrimas derramadas e as gotas de água saídas dos jactos.