10 Abril 2022      12:42

Está aqui

A observadora invisível

"Como todos os meninos, eu amava e invejava algumas profissões... mas acima de tudo eu gostava de me tornar um mágico... de me tornar invisível. Assim, aprendi ... a substituir a invisibilidade grosseira do manto mágico pela invisibilidade do sábio que olha e conhece, mas que nunca é reconhecido - isso podia ser uma característica essencial da minha história de vida."

Chicago, 2007. Um negociante de segunda mão compra o conteúdo de um armazém em leilão por algumas centenas de dólares, que é vendido porque a renda não era paga. Ele encontrou no armazém dezenas de milhares de rolos de filme fotográfico de 6x6 cm, ainda por serem revelados. Por curiosidade, revelou e imprimiu algumas fotos e distribui-as. Assim começa a descoberta do trabalho e da vida da misteriosa mulher que o fez, que morrerá sem ser reconhecida, 2 anos depois, aos 83 anos, na pobreza num lar de idosos.

Vivian Maier, esse era o seu nome, nasceu em Nova York em 1926. Aos 3 anos, os seus pais separaram-se e ela morava com a mãe e uma amiga dela - uma fotógrafa profissional - ambas francesas. Mudou-se com eles aos 7 anos para seu país de origem, a França e lá permaneceu até os 12 anos, para voltar a NY em 1938. Alguns anos depois, começou a trabalhar cuidando de crianças. Em 1950-51 voltou por uns tempos para França, onde começou a fotografar.

Em 1951, encontramo-la nas ruas de NY - e desde 1956 em Chicago - com a Rolleiflex pendurada ao pescoço, muitas vezes com crianças pela mão. Ela ficou lá 17 anos, morando uma família que lhe confiou 3 meninos. Tirou dezenas de milhares de fotografias. A casa-de-banho do seu quarto transformou-se num quarto escuro. Ela não sai com ninguém, exceto a família para quem trabalha. Ela não mostra as suas fotos a ninguém, revela apenas uma pequena parte delas e ainda menos as imprime, por falta de dinheiro. Nos anos 1959 e 60 fez uma longa viagem sozinha pela Ásia, Índia, Egito, Iêmen, Itália, França, e voltou para NY, com alguns milhares de fotos, na família onde permaneceu até 1983, depois - novamente a cuidar de crianças com outras famílias – continuou a tirar vários milhares de fotos, de 1990 também a cores. O seu rastro perde-se neste ponto, até que o negociante de segunda mão encontrou o anúncio da sua morte num jornal. Sem nunca a ter conhecido, conseguiu localizar os rapazes, agora adultos, da família que a acolheu durante muito tempo e reconstruir esta história incrível. História que aprendi ontem, visitando uma exposição de obras de Vivian Maier em Turim. São em sua maioria fotos 6x6 preto/branco tiradas na rua, com uma técnica perfeita: retratos de pessoas comuns e desconhecidas – sem poses - que captam situações ou expressões que as tornam "transparentes".

Se tiverem a oportunidade de ver esta exposição, que acredito que vai dar a volta a Europa, ou se tiverem tempo de ver as imagens na internet, não percam. Para mim, essa mulher que sabe olhar dentro das pessoas, que vê, é devorada por esse impulso, faz isso por si mesma, mas quer permanecer desconhecida, fez-me pensar no mago do conto Die Kindheit des Zauberers (“A Infância do Mago”, 1923) de Hermann Hesse, a quem agradeço por me emprestar a citação inicial.

Imagem de wikiart. org

 

--------------------------------------------------------------------------------------------

Giuseppe Steffenino, natural do noroeste da Itália, está ligado a nós pela admiração que ele tem a Portugal e ao Alentejo em particular, onde, com a sua companheira, Manuela, foram salvos de um afogamento numa praia o ano passado. Aqui e ali a pandemia está a mudar a nossa maneira de viver e pensar. Esse médico com barba branca, apaixonado por lugares estrangeiros e um pouco idealista, interpreta este tempo curvo, oferecendo-nos os seus sonhos, leituras, viagens, lembranças, pensamentos, perguntas, etc.