10 Janeiro 2017      13:37

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O XADREZ DE PUTIN E O FUTURO DA EUROPA...

O xadrez de Putin e o futuro de uma Europa vazia de liderança.

É sabido que a mãe Rússia sempre foi uma excelente produtora de jogadores do mítico jogo de Xadrez, são disso exemplo Anatoly Karpov, Bóris Spassky, Mikhail Botvinnik, e o inevitável Garry Kasparov, que mesmo sendo azeri e não russo, representou igualmente a União Soviética nos campeonatos do mundo de xadrez, e é hoje um dos maiores activistas políticos anti Putin.

Mas não é só a produzir os melhores xadrezistas da história que a Rússia é exímia, é também a jogá-lo! Neste caso a jogar outro tipo de xadrez, o xadrez geopolítico internacional. Desde os tempos do Império Russo, que este Estado poderoso possui duas vertentes onde estes são verdadeiramente notáveis.

A primeira é sem dúvida a exuberância e eficiência dos seus serviços secretos e espionagem, desde a ainda imperial Okhrana, passando pelos soviéticos Tcheka, NKVD e KGB, até aos mais recentes FSB e SVR, todas estas agências eram e são reconhecidas pelo seu pragmatismo, frieza, insensibilidade, crueza, mas sobretudo pela sua eficácia. Moscovo conseguia e consegue, obter qualquer tipo de informação, acerca de qualquer assunto de interesse, pessoa, ou grupos, em qualquer lugar do mundo e com uma impressionante rapidez e pormenor. Informação é poder, e os russos sabem-no melhor que ninguém. O que nos conectará com a próxima notável vertente dos russos.

A segunda poderosa vertente desta nação, é nada mais nada menos que a sua capacidade inigualável de ingerência fora das suas fronteiras. Disso poderão servir vários exemplos, como a guerra no leste da Ucrânia contra rebeldes independentistas claramente patrocinados por Moscovo, a anexação da Crimeia pela via de um referendo regional. As guerras coloniais em África onde a União Soviética armava e patrocinava os movimentos socialistas como o MPLA em Angola, a FRELIMO em Moçambique ou o PAIGC na Guiné-Bissau, movimentos que puseram fim à hegemonia europeia em África e que motivaram processos de descolonização mal conduzidos. Foram os principais patrocinadores do movimento FARC na Colômbia, que foi durante décadas um agente desestabilizador na América do Sul.

E finalmente ainda em matéria de ingerência fale-se na sua maior cruzada na europa ocidental durante a guerra fria, os Partidos Comunistas, português, espanhol, francês e italiano. Que se aproveitaram das vontades e revolta (legítimas) das populações pobres destes países, onde estes partidos iam buscar a sua força e mobilização para a instauração de regimes anti democráticos e pró soviéticos nestes países, o que constituiria desde logo uma vitória de Moscovo contra Washington, ter um satélite no coração da europa democrática. Satélite esse que Portugal esteve muito perto de se tornar durante o PREC.

Como a história o prova, estas duas fortes armas conjugadas com perícia, Informações e Ingerência, formam uma dupla difícil de combater, a menos que se combatam da mesma forma.

Putin sabe-lo! Não fosse ele um ex-agente do KGB, e ex-director do FSB. Tanto sabe que não se coíbe de fazer uso desta estratégia. Utilizou-a para a anexação da Crimeia, continua a utilizá-la no conflito da Ucrânia, utiliza-a na Síria de modo a combater a influência norte-americana na região e utilizou-a para impedir a eleição de Hillary Clinton nas eleições norte americanas através de ciberataques estratégicos ao Partido Democrata e à própria comissão de campanha de Hillary, com uma provável cooperação de Julian Assange e o seu blogue WikiLeaks.

E é aqui que a Europa entra em cena, e não pelas melhores razões. A União Europeia é vizinha desta Rússia que voltou a ser pragmática e activa no panorama geopolítico internacional. E a UE que temos é uma UE fragilizada por vários factores, como a crise financeira, a crise económica e social, a crise das migrações, a crise de lideranças, mas acima de tudo, a crise de identidade.

A UE é uma associação de países com 27 Estados membros que vive numa enorme crise de identidade. Esta união não sabe o que quer ser! Não sabe se quer ser uma Federação, ou se quer ser uma mera zona de comércio livre Intergovernamental. A União Europeia está neste momento a meio de uma ponte entre duas margens, a margem do intergovernamentalismo, donde partiu, e a margem do federalismo, para onde começou a caminhar desde o Tratado de Maastricht. Mas há dois factos a considerar, o facto de a União estar parada no caminho que iniciou, enleada na própria burocracia, e há o facto de a ponte estar prestes a cair, o que motiva a que a UE decida de vez qual a margem em que quer estar. E a discórdia é muita, e Putin sabe disso.

Para a Rússia, a Europa é uma pérola de prosperidade económica, onde desde a desintegração da URSS, Moscovo não tem presença. Já para não falar dos países de leste que estão na “posse” da UE, que Moscovo considera “espaço vital”, como Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Roménia e Bulgária. E Putin sabe como voltar a conquistar influência na península europeia, basta dividir uma União Europeia que se encontra num completo vácuo de liderança, que não é uma união intergovernamental, nem federal, que está a recuperar e lidar com várias crises. Basta colocar os mediterrânicos contra os países do norte, basta colocar os países de leste contra os países ocidentais, basta alimentar os extremos políticos dos vários países como o Syriza de Tsipras, a Frente Nacional de Le Pen, o UKIP de Farage e Nuttall. Tudo para proceder de modo a separar uma União que não está sólida. “Dividir para reinar” é uma estratégia utilizada desde que há memória na geopolítica. E Putin sabe-lo melhor do que ninguém.

E é aqui, no xadrez internacional que nós europeus estamos a perder. Enquanto nos corredores do Parlamento, Conselho e Comissão europeus, os tecnocratas puxam os cabelos preocupados com décimas de défices; Putin vai colocando mais tropas junto aos países Bálticos; vai intensificando as relações com a Turquia, ponte geográfico-económica entre Europa e Ásia, e donos do Estreito de Bósforo; vai colaborando com forças políticas anti-europeístas como Syriza, Frente Nacional, UKIP, PVV entre outros demais.

E pouco a pouco, caso a União Europeia continue a ignorar o óbvio, Putin vai desmantelando o projecto europeu a seu bel-prazer. Quem sabe para o reconstruir à sua maneira, com a Rússia no comando. É caso para reflectirmos sobre a seguinte questão: Que Europa queremos ter?

Imagem de capa de i.telegraph.co.uk