31 Outubro 2020      14:28

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O sapo encantado

Num reino muito distante, onde as árvores não falavam, onde os habitantes vestiam roupas de encantar, onde todos falavam a cantar, havia um habitante especial. Tão especial que merece uma fábula nossa. Chamava-se Teodoro e era um sapo. Vivia, num mundo em que os sapos eram simples plebeus e gente de baixa e má rês. Teodoro tinha um sentido de justiça muito especial. Fugia do padrão do resto dos sapos e das rãs, mas mesmo assim conseguia entrar nos nervos de algumas espécies com capacidades mágicas.

A desavença que a seguir vos conto aconteceu no final de um dia de mercado, num cruzamento. Distraído a fumar um cigarro e a encher o peito, Teodoro conduzia a sua carroça de grilos. Absorto nos seus pensamentos, não via nada do que estava à sua volta e, encontrando-se num cruzamento onde tinha um stop, chocou com uma carroça de escaravelhos, guiado por uma libelinha. As libelinhas, como toda a gente sabe, têm extensos poderes mágicos e são até maléficas na aplicação dos seus feitiços e castigos.

Seguiu-se ao embate uma discussão acesa entre os dois com o sapo Teodoro a lançar para cima da libelinha todo o fumo acumulado. As palavras troca das entre os dois, embora cantadas, foram muito duras. Se as tivesse de as transcrever seriam mais ou menos assim... f****, c****, f***** d* p****, c**** d* m****. Para o leitor mais sensível é melhor deixá-las assim do que escrever feio, criancinha, figura de pantagruel, condessa de Mirandela.

O que ele foi dizer! Chamar condessa de Mirandela à libelinha foi a pior ofensa. - Ai é?

Se eu sou condessa, tu vais ser príncipe e humano, até que me dê na real gana e te volte a transformar em sapo. Mas para isso, terás de encontrar uma rã que se apaixone por ti, e dê um beijo de amor verdadeiro e te transforme em sapo outra vez. (Onde é que eu já ouvi isto?)

A história complicou-se e Teodoro deixou, em cinco segundos, de ser sapo e transformou-se num lindíssimo príncipe! Não podia mais viver no mundo dos animais e dos sapos e das rãs. Absolutamente destroçado, atravessou o pego e do outro lado, com as suas belas vestes tornou-se de imediato o foco das atenções das donzelas todas do reino. Por acaso, até um grandioso palácio estava à sua espera. Instalou-se e deu ordens a que todas as rãs do reino fossem levadas à sua presença e passassem a viver no palácio. Assim foi, o palácio passou a ser um contínuo coaxar. O príncipe não falava com outros humanos, a não ser para dar ordens. Teodoro sentia-se, a cada dia que passava, cada vez mais distante do regresso à normalidade.

Nunca mais seria um sapo outra vez, pensava. Apesar das abordagens às rãs, das suas tentativas de sedução, os anos passaram e passaram e nenhuma rã se apaixonou por ele como humano. Ele próprio nunca se apaixonou por uma princesa ou donzela. Nunca beijou uma rã que fosse em verdadeiro amor e morreu solteiro, como humano. Triste história a de Teodoro.