18 Junho 2019      17:54

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O preconceito com as doenças mentais

Após o visionamento e a análise da reportagem "E Se Fosse Consigo? O preconceito e os receios em torno das doenças mentais", exibida no canal SIC, confesso que fiquei completamente arrasada por ter conhecimento das opiniões absurdas de certas vozes. Iniciemos este discurso com a afirmação de que sim, as doenças mentais são reais. E mais. Controláveis.

Para os mais distraídos, exponho aqui a realidade portuguesa. A realidade de Portugal. A nossa vida e sociedade. A minha realidade e a tua. Pois não vivemos sozinhos neste mundo e, muito menos, neste país. Não sejamos ignorantes ao ponto de, mais uma vez, nos "safarmos" da realidade portuguesa do século 21 com a lamentável desculpa de "Não é meu problema" ou "Tem falta de atenção e do que fazer. Se arranjar um trabalho, não tem tempo para estar doente." Passo a citar:

"De acordo com o relatório Health at a Glance 2018, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), 18,4% da população portuguesa sofre de doença mental, onde se inclui ansiedade, depressão ou problemas com o consumo de álcool e drogas."

Assim, Portugal revela-se como o quinto país da União Europeia com mais casos de doenças mentais. É preocupante termos um lugar tão próximo do pódio da lista de países com uma população com níveis arriscados de doenças mentais, e níveis brutalmente altos no que toca ao preconceito das pessoas, como disseram, "ditas normais" em relação a doenças psíquicas.~

Não julguemos uma mente e uma vida que não conhecemos. Óbvio que não entendem uma doença que não se vê, sendo muito mais fácil acreditar que uma pessoa está em sofrimento quando vemos a sua perna ou o seu braço partidos. Concordemos, desde já, que o sofrimento não se vê. Sente-se. A sociedade portuguesa, realmente, não está preparada para aceitar estas patologias e a verdadeira dificuldade não somos nós, portadores de problemas psiquiátricos, são vocês. São todos os portugueses que não se envolvem nem se informam sobre o mesmo assunto. Não somos "bichos" ou "maluquinhos", não nos façam sofrer ainda mais, em silêncio. Os silêncios são altos e  ensurdecedores para mim e, para todos. Mas vocês falam alto, muito alto mas não ouço uma única palavra. 

Torna-se humilhante, dizermos que os portugueses ostracizam os doentes mentais de maneira impiedosa, revelando até acharem estranho, ou o fim do mundo alguém do seu agregado familiar o ser. Colocando-os, de certa forma, de parte.

Não se trata de Medicina. Não se trata de doenças. Não se trata da idade. Não se trata de opiniões sequer. Trata-se da nossa realidade que finge que não ouve os gritos de socorro, pedindo ajuda.

O recurso à medicação é sim, importante, se assim o psiquiatra assumir e o tratamento deve ser seguido rigidamente, e não metido em "stand-by" porque queremos. Ou porque vocês acham que não é preciso. Vocês não têm que achar absolutamente nada. Ou porque somos demasiado novos para isto. Ou porque imaginam o pior. Ou porque os jovens não podem sofrer, somos tão novos, certo? Só a medicação, claramente que, não basta. A terapia tem de acompanhar. A família teria de acompanhar, mas é aqui, que descobrimos que, às vezes, a família não são as pessoas que têm o mesmo sangue a correr nas veias do corpo. São aqueles que nos ajudam quando mais nos sentimos perdidos e sozinhos no mundo, se é que nos sentimos parte deste mundo. É a colega de turma que percebe que algo não está bem contigo. É o professor que vê para além das tuas notas e do teu olhar a fitar o quadro. É a psicóloga que te percebe, como ninguém, e acredita em ti, e sabe que te estás a esforçar imenso. É o psiquiatra que deposita confiança e esperança em ti para ultrapassares e conviveres com as tuas dores da maneira correta, para não caíres de novo ou para amenizar a tua dor. 

Cada pessoa lida com o sofrimento de determinada maneira, e arranja a sua própria forma de tentar lutar contra os monstros que lhes invadem a mente. Falta-nos empatia. Falta-nos humildade. E o mais importante. Falta-nos humanidade para sentirmos o que o outro quer dizer, o que o outro sente, pelo que o outro passa. Outra vez, não vivemos sozinhos.

Senhoras e senhores, caros leitores e leitoras, o meu diagnóstico: Em março deste mesmo ano, fui diagnosticada com síndrome de pânico, transtorno de ansiedade, stress pós-traumático e depressão, outra vez. Uma primeira recaída da primeira vez que ela apareceu, aos meus quinze anos. Não é normal, meus caros, eu ter medo ou receio de dizer quem sou e pelo que passo. Não é normal sentir-me insegura ao escrever estas palavras todas. Sofro pelo vosso preconceito e prometi a mim mesma jamais sofrer em silêncio, pois é a pior forma de sofrimento.

 Escrevo desde os meus 13 anos de idade, sobre as mais variadas temáticas. Já fingi sentir coisas na minha escrita só para acalmar o coração de quem se sente assim e me lê. Mas tenho medo.

Confesso que as lágrimas me rolam pela face ao longo deste texto, as minhas mãos tremem e juro que sinto a dor a desprender-se do meu peito, como se fosse uma enorme rocha que não me deixasse respirar fundo. Não é normal ter medo onde me sinto mais confortável. No meio das palavras. No meio das frases. No meio das sensações à flor da pele. Mas é a minha história. A minha condição de vida, e ainda estou a tentar assimilar tudo. Eu não estou a fugir. Não vou fugir mais. Eu vou sentir a dor e ficar, mesmo que tenha medo. Mesmo que tenha medo que eles se vão embora. 

 Repito, as dores da alma ferem e pesam mais que as dores do corpo. Eu enfrento a dor, é exuberante. Não preciso de fingir mais, nem vocês. Nem ninguém.

 

Vinda de Reguengos de Monsaraz, Beatriz Velez tem 17 anos e é aluna na Escola Secundária Conde de Monsaraz, onde frequenta o 12.º ano do curso científico-humanístico. Escritora desde os 13 anos, amante dos animais e da Natureza e tem o desejo de seguir os estudos universitários para ascender a Magistratura.

 

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