25 Agosto 2018      09:21

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O periquito fraquito que cantava como um franganito

Piu piu. Tro lo ró, tro lo ró. Chilreava assim o periquito fraquito que cantava como um franganito. Piu Piu, era sozinho, como quem assim o viu. Quem o viu foi um rapazito, dono de um canito que morava na casa em frente. Da janela, aparecia o ramo onde se empoleirava o Canário, nome que o moço acabou por dar ao periquito. Coitado, não sabia a diferença entre um e outro. Também não interessava. Se tinham penas, eram pássaros. O Canito do rapazito queria comer o passarinho, que chilreava no ramo em frente à janela. O moço olhava para ele, com o cão ao lado, de janela aberta.

O periquito fraquito, vulgo, estava cheio de fome e procurava alguma alpista ou sementes para encher a moela, seduzia o rapazinho com o cantar. Parecia um franganito. Uma cana rachada, não cantava nada. Mas isso pouco lhe interessava. Confiança e autoconceito tinha imenso e não era qualquer pessoa, desconhecedora dos tons do cantar dos pássaros, como aquele rapazito, também ele franzino que o convenceriam do contrário.

Continuava a cantoria, enchendo o peito. Parecia, como se fosse um dos contos de príncipes e princesas, aquele que pões cá em baixo à janela da donzela, enviando lindíssimas canções de amor. Lindíssimas no papel, porque quando são entoadas pelos apaixonados normalmente afastam a freguesia toda. Toda não. Se a donzela estiver embevecida pelo pretendente, não lhe custará nada a voz de cana rachada, por muito má que seja. Custar-lhe-á muito mais ao fim de uns anos quando ele chegar a casa, protestar por causa da janta e tiver perdido todo o interesse e beleza que ela um dia viu nele.

Isso provavelmente também nunca acontecerá porque o amor é cego. O rapazito ouvia aqueles guinchos do pobre pássaro esfomeado e sonhava ele, um dia, fazer uma poesia e cantá-la à miúda do 8ºC que o fazia passar mal do estômago e que o ignorava cada vez que passava por ele. Neste caso o amor era cego. Ela nunca o via. Por muito que ele fizesse de tudo e mais alguma coisa, a miúda não tinha olhos para ele. Andava embevecido. O passarinho, periquito fraquito, estava esfomeado. Ele e o cão. Se fosse um gato já o passarinho se tinha calado, para azar dele. Do passarinho, digo.

No ramo, na árvore, nas vinte árvores à volta não havia outra ave. Nem ave nem uma peça de fruta ou semente. Nada. E o periquito desesperava. Parecia que as cores lindas, das suas penas belas, desapareciam. Parecia que fugiam ao som dos seus acordes. Acordes que poderiam acordar a freguesia toda, se o pássaro fosse de maior porte. Não o era.

O menino ouvia e sentia a melancolia e a nostalgia da saudade em ver a miúda. Já não a via desde sexta-feira e era sábado. Uma eternidade. O cão salivava com a ideia de comer aquele periquito, ainda que fraquito e o pobre do bichinho que deu nome à história ansiava por alguma coisa… uma mísera semente que lhe desse para matar a fome e ele calava-se.

O menino fartou-se da cantoria e atirou, para fora, um vaso de alpista que atraiu um bando de pardais e que invadiram o solo onde caíram. Todavia, de peito cheio, ainda se viam penas às cores, lá no meio de tanto castanho.   

 

 

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