O cheiro a rabanadas nada dentro do meu nariz suavemente. As músicas de Natal, entoam na minha mente, acalmando-me. Sou facilmente embrulhada no calor transmitido pela lareira. A manta amarela da minha avó, agarra-me fortemente, como se fosse ela a dar um abraço. As luzes da árvore brilham tão agressivamente que chegam a fazer reflexo nas minhas lentes dos óculos.
Lanço um suspiro.
É Natal.
Não há nada mais Natal que isto.
Sento-me na mesa redonda presente a meio da sala que, por sua vez, transpira ambiente natalício. Abro com toda a delicadeza que tenho em mim, o meu diário cor-de-rosa que me foi oferecido numa véspera de dia vinte e cinco. A ideia era escrever, para mim mesma, relatos dos meus dias, transmitindo assim, os meus sentimentos e emoções para uma folha de papel. Quem diria que me viria a apaixonar pelas letras.
Já sentada, acolhida pelo ambiente, pego numa caneta. Começo a escrever, não sabendo bem como começar.
Querido Pai Natal,
Ainda te lembras de mim?
Não poderia faltar uma carta para ti este Natal. Já é tradição
Há uns dias, fiz uma reflexão deste ano com auxílio de fotografias.
Concluo que, grata, é a palavra que me ocorre sempre. Grata, grata e grata. Poderia fazer o resumo para tu leres; mas penso que sabes mais do meu ano, que eu.
Sinto-me feliz. E para além de te agradecer, tenho de me agradecer a mim também. Cada ano que passa, aprendo sempre mais e mais. As flores num jardim crescem devagar, e eu acompanho-as. Eu, fui forte, e ultrapassei mais um ano.
Este ano…Este ano que me marcou tanto pela positiva, como pela negativa. E é aí que quero chegar. Este ano, dei de caras com o mundo cruel e sujo em que vivemos todos os dias.
Deixa-me contextualizar.
Como sabes, foi este ano que aprendi a viver no mundo dos adultos, sendo mais específica: dos transportes públicos. Passo tanto tempo em autocarros e em rodoviárias, que já considero uma segunda casa para mim. Irónico, certo? Combati um medo.
Nas inúmeras viagens que fiz este ano, vi, com os meus próprios olhos, e ouvi, com os meus próprios ouvidos, uma situação que me deixou revoltada, com lágrimas a quererem explodir, e sem saber o que fazer.
Fui à casa de banho. Normalmente, paga-se para entrar. Em vez de ser recebida com um simples “Boa tarde”, fui recebida com uma discussão entre uma mulher branca e uma mulher brasileira. Discussão onde a mulher branca gritava em plenos pulmões, para a outra senhora voltar para o seu país, dizendo que não era bem aceite aqui.
Baixei o meu olhar. Estava com medo. Estava sozinha. Não ajudei.
Quando voltei a entrar para o meu autocarro, descobri que a mesma mulher, iria no meu também. Eu já sentada, ouvia sussurros a concordar, que ela devia voltar para o seu país.
Volta para o teu país?
É assim que recebemos as pessoas?
Volta para o teu país.
Nunca uma frase ecoou tanto na minha mente
Volta para o teu país.
Volto a repetir: Volta para o teu país.
Já percebeste o quão grave é?
O meu desejo deste ano, não é para mim. É´ para nós. Para o mundo. Não quero ser “cliché” ou algo do género. Mas não me conseguiria perdoar se não o pedisse.
Peço um mundo melhor. Um mundo com amor. Por favor.
Um mundo onde todos consigamos respirar. Viver.
Porque, sinceramente, onde está o amor de que todos falam? Do que chega falar se não o cumprimos?
Até para o ano
Por Rita Medinas, natural de Reguengos de Monsaraz, com dezoito anos e estudante do Curso de Português na Universidade de Coimbra.