29 Maio 2021      08:46

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O flamingo

Era azul! A cor não é a certa, mas ele era azul como o céu e como o mar. Chamava-se Flamingo. Trabalhava na empresa de construção porque era, como se diz na América, um blue collar worker.

Flamingo tinha umas pernas esguias e longas e em tudo frágeis e diferentes de todos os outros animais, mas nunca tal o tinha importunado. Convivia bem com a sua diferença. Flamingo vinha de uma família de aves rosa. Sabem as curiosidades dos flamingos? Sabem porque é que eles são cor de rosa? Sabem que eles comem marisco e crustáceos e que as cores lhe são dadas pelos alimentos… e sabem que se não forem rosa ninguém os quer para copular?

Pois é. Por isso, Flamingo não tinha ainda arranjado nenhuma parceira para copular. A sua cor azul afastava todos… nem no céu, nem no mar encontrara companhia para tornar o seu azul eterno e quebrar a monotonia do rosa, dos seus pares. Todos o olhavam de lado, mas ele não percebia porque assim era. Não havia espelhos e mesmo se os houvesse, decerto que continuaria obstinado a ser azul. Será que comeu demasiado caranguejo azul de Maryland?

Flamingo era um trabalhador exemplar mas solitário. Numa sociedade em que os trabalhadores de colar azul não são bem vistos nem recompensados, mais vale sair e emigrar. Assim é e assim foi. Flamingo, um belo dia, cansado de ser posto de parte por ser diferente, apanhou asas… não um avião… as suas próprias e abalou. Palavra tão alentejana… abalar… não é só sair, não é só partir… é mudar de lugar, é mudar de sentimento, mudar de língua ou de sotaque. Abalar é deixar de estar, mas não é deixar de ser. Eu também, como o flamingo, já abalei da minha terra muitas vezes. Abalei mas a minha terra veio comigo e acompanha-me. A do Flamingo também o acompanhou. As asas bateram e bateram e a cor azul transformou-se em cor branca de esperança de um futuro melhor… e voou e voou, e o Flamingo, já cansado, desceu da altitude e pôs as suas patas em terra firme. Era a terra nova, do outro lado do oceano.

Lá havia muitos perus e muitas aves que nunca tinha visto, mas nenhum igual a si. Sentia-se e era único. Flamingos azuis não há em lado nenhum, muito menos na terra nova. Porém, isso não o parou. Trabalhador como era, iniciou uma empresa e transformou o lago onde se instalou numa terra de oportunidades. Flamingo encontrou-se e o seu reflexo na água fazia-o igual a tanto, a tudo! Sentia-se completo e estava. Era azul. Azul é a cor do céu e azul é a cor dos lagos e do mar.

Nos anos que foram passando, tantos flamingos rosa foram chegando. Abalaram de lá e chegaram cá. No caminho, perderam as penas rosa… uns ficaram pálidos, outros azuis e todos, mas todos mesmo sabiam o que é ser flamingo, o que é ser migrante e o que as cores podem criar ou destruir.

Naquele lago, Azul, Flamingo, fosse o recém chegado rosa, branco, vermelho ou verde, era aceito como igual. Todos abalaram e todos chegaram e no ponto de chegada, sabe bem ter alguém à espera, mesmo que seja diferente desde que fale a nossa língua.