5 Junho 2021      09:46

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O fim do mundo e histórias de cigarras

Quando o fim do mundo começou, havia muitas cigarras a fumar cigarros. O fim do mundo começou devagar… a meio ainda aconteceu mais devagarinho e quando se aproximou do fim, as coisas estavam ainda mais vagarosas. Os que gostam de fazer piadas sobre tudo e mais alguma coisa, diriam que o fim do mundo aconteceu no Alentejo. Não acho piada a essas coisas porque a velocidade no Alentejo é tal e qual a todas as outras as velocidades. Temos é uns filtros à entrada e à saída para quem olha, ver em câmara lenta e apreciar melhor a qualidade das paisagens, do céu, das coisas bonitas, dos movimentos dolentes e gentis das mulheres e dos homens que lavram os campos, dos que ceifam, daqueles que guardam os rebanhos vestidos de casacos de pele de lã de ovelha e as mãos de quem faz as mantas de retalho e os queijos de ovelha, dos dedos encardidos da cortiça, das gotas de medronho que pingam e ficam nas balças onde se apanham. Ah, as crianças que brincam com brinquedos feitos de cortiça e de madeira, as vaquinhas feitas de alfavacas, com pernas de pauzinhos de esteva. O fim do mundo parecia impossível.

Na história deste fim do mundo, onde formigas e cigarras já tinham contado a sua fábula, faltavam as cigarras que contavam e que fumavam cigarros. Fumar cigarros faz mal à saúde. Muito mal. Falem com qualquer ex-fumador e eles lhe dirá o quanto é mau fumar. Os pulmões ficam negros como a noite, e sendo esta tão escura, ajuda a que o fim do mundo fosse mais rápido. Mas não era assim na altura em que o mundo se acabou.

E perguntais porque não era assim? Porque a cor do lusco-fusco do Alentejo, o barulho das cigarras e todas as estrelas que se juntaram para ver o sucedido, ajudaram a que o fim do mundo não fosse tão dramático. A vida acabou, o som das cigarras também, até o fumo dos cigarros das cigarras. E acabou tudo o que vos contei acima.

Como é que eu sei?  Porque o Alentejo é infinito e nele o mundo nunca acaba!