25 Janeiro 2021      19:23

Está aqui

O Chega está a fazer no Alentejo o mesmo que fez o PCP nos anos 70

Está a dar algo em que acreditar a quem se sente explorado, esquecido, abandonado e desconsiderado, ainda que as suas soluções sejam intangíveis, fantasiosas, simplistas e insignificantes como eram as do PCP.

É sabido que a cultura política no nosso país é baixa, sequelas de circunstâncias históricas perpetuadas durante séculos, como o atraso, o analfabetismo, o fraco fomento da cultura, do espírito crítico, da liberdade de expressão, a repressão política, entre outros factores. Só este conjunto de circunstâncias abalou a dinâmica social do nosso país de uma forma tão significativa de modo a que o nosso modo de viver, de pensar e de estar na sociedade seja incomparável ao dos ingleses, ao dos suecos, ao dos franceses ou ao dos americanos, sociedades com uma cultura política e civilizacional muito mais viva, cujos modelos de sociedade não são de todo possíveis de aplicar em Portugal. Facto que devemos aceitar.

É mais fácil olharmos para dentro do nosso país e identificarmos falhas que consideramos graves, e dizer, “lá fora faz-se melhor”. O que é parcialmente verdade, mas também é parcialmente culpa do nosso típico complexo de inferioridade nacional que nos faz constantemente querer saber o que “os outros” pensam de nós para formularmos a opinião acerca de nós próprios. E quando formulamos essa opinião temos tendência para culparmos falanges do nosso povo daquilo que está mal, em vez de nos culparmos a nós como um todo, como portugueses. A culpa é sempre dos outros, os “lá de Lisboa”, os “lá do Alentejo”, os “lá do norte”, os “lá do sul”, “os emigrantes” … E esta dinâmica social não só é um bloqueio ao progresso, como é muito perniciosa.

Nos próximos dias vamos ouvir que o fascismo está a ganhar folego no Alentejo, e que os alentejanos são aquilo e aqueloutro. É o típico modo de pensar do português, marginalizar os nossos semelhantes que manifestem posições que ameacem as nossas.

Devo dizer antes de prosseguir que o meu apego ao Chega é zero, assim como ao PCP, mas ao Alentejo, aos alentejanos e à memória histórica da minha região, o meu apego é inexcedível, apaixonado, devoto e intensamente protector.

Há, nas elites urbanas de Portugal, espalhadas pela faixa litoral entre Lisboa e Porto um manifesto desdém para com as comunidades rurais, comunidades como aquela onde nasci, fui criado e vivi até aos 25 anos. Comunidades onde os benefícios da globalização não chegam, comunidades onde todas as crises chegam primeiro e acabam em último, comunidades onde grande parte das famílias chegam ao fim do mês com contas bancárias reduzidas aos dois dígitos todos os meses, onde o elevador social não dá oportunidade à esmagadora maioria, onde a esperança de ser alguém na vida depende mais da sorte que do trabalho, onde ver um filho tornar-se advogado, médico ou engenheiro é uma miragem longínqua, e vê-lo tornar-se biscateiro, servente ou praça do exército é uma realidade mais imaginável.

Face a este cenário, aparecem as elites urbanas com o seu tom paternalista a dar as suas lições de como vingar na vida a estas pessoas, com soluções simples e directas para problemas completamente fora desse contexto e dessa realidade. Como que uma equipa de futebol de primeira divisão com um relvado tratado e liso a querer fazer com que uma equipa amadora jogue da mesma forma num campo pelado enlameado e cheio de buracos, não há como jogar da mesma forma. A realidade exige outras abordagens, outras soluções, e enquanto não se jogar em campos minimamente semelhantes também nunca haverão oportunidades minimamente semelhantes e menos díspares. Logo, pedir que estas comunidades tenham mais esperança, mais auto-confiança e mais determinação, não vai alisar o terreno em que estas pessoas têm que viver face ao terreno liso em que as comunidades urbanas pavimentaram o chão das suas vidas, chão esse, para o qual eu próprio tive que me mudar para ambicionar ser algo mais nesta vida, porém, eu represento uma minoria, a minoria daqueles que não obstante do amor que sentem pelas suas terras e pelas suas regiões faz o sacrifício de viver fora delas, pois lá não se governa social, intelectual ou financeiramente. A maioria decide ficar, que é o comportamento mais natural do ser humano, ficar junto da sua zona de conforto, nos sítios que definem a sua identidade, e diga-se, que a maioria não dispõe dos instrumentos necessários para que possa haver esse tipo de mobilidade na sua vida, pois os seus trabalhos não se fazem a partir de um escritório ou de um computador, têm lugar numa fábrica, numa herdade, num negócio regional, o que impõe limitações na sua geografia pessoal.

E essas limitações são brutalmente influenciadas pelas políticas nacionais, que são, em geral, feitas à medida das elites urbanas por elites urbanas, o que faz com que os efeitos positivos dessas políticas sejam pouco sentidos no país rural, e que os efeitos negativos sejam extremamente sentidos. Viver nestas comunidades é remar constantemente contra a maré e sentir que só os outros ganham com este sistema, e que “nós”, por mais duro que trabalhemos, por mais competentes que sejamos, estamos eternamente condenados a ficar no fundo da pirâmide.

Estes sentimentos geram frustração, geram ressentimento e geram sentimentos de vingança que mais cedo ou mais tarde se manifestarão.

Esses sentimentos hoje, estão estremados, porque estas comunidades sentem que o jogo está viciado contra eles, tal e qual como nos anos 70, onde o alentejano comum era vassalo de uma minoria de latifundiários que os explorava a seu belo prazer, maltratava e pagava miseravelmente, quando pagava. Também aí o jogo estava viciado.

Foi precisamente aí que apareceu o PCP com as suas ideias revolucionárias, que por mais intangíveis e fantasiosas (qual conto do vigário) que fossem, transmitiam uma esperança inabalável a quem já nem em Deus tinha esperança, de tanta miséria vivida. O Alentejo agarrou-se ao comunismo como se a sua vida dependesse disso, pois a alternativa não existia, a alternativa eram os outros, o “sistema opressor”.

É exactamente o que está a acontecer hoje com o Chega, um partido que traz ideias revolucionárias que por mais intangíveis e fantasiosas (qual conto do vigário) que sejam, transmitem a tal esperança inabalável de que a vida pode mudar para melhor, e que é possível inverter o sistema viciado.

Quando, no fundo, ambos os partidos partilham dos mesmos objectivos. Persuadir estas pessoas e abusar do desespero destas comunidades para, no fim, conquistar o sistema, o poder, e impor regimes autoritários, iliberais e anti-democráticos. Era esse o objectivo final do PCP, e é esse o objectivo final do Chega, apregoar a liberdade e destruí-la, clamar pela justiça e viciá-la, alcançar o poder e capturá-lo.

Não há, infelizmente, soluções imediatas para esvaziar estes movimentos, requer tempo, requer bagagem política, requer o aparecimento de esqueletos no armário a que se possam apontar dedos, mas requer sobretudo a criação de políticas que mudem de facto a vida destas comunidades para melhor, pois, os alentejanos não são comunistas, nem fascistas, são uma comunidade que se sente ignorada, pobre, desempregada, sem oportunidades, farta do paternalismo e desdém das comunidades urbanas e de políticas que pouco ou nenhum efeito surtem nas suas vidas, e fartas de verem os seus modos de vida atacados e julgados como a caça ou as touradas, como se já não bastasse o esquecimento veem o seu quotidiano atacado. Não é factual nem justo chamar ignorante, intolerante ou deplorável a quem sente que todo um sistema lhe virou as costas e que ninguém se importa com os seus problemas, pessoas comuns, com vidas comuns, nossos familiares, nossos amigos e nossos vizinhos, portugueses de bem como qualquer outro português comum de Lisboa, do Algarve ou de Trás os Montes.

Tenho visto e lido observações relativamente ao Alentejo, e ao mundo rural de norte a sul, que são o total oposto de como se devem combater estes movimentos regressivos. Culpar os alentejanos e os transmontanos por votar no Chega, só beneficiará o Chega, pois o sentido de comunidade virá ao de cima, e ao sentirem a sua comunidade atacada, os alentejanos e o país rural em geral unem-se quando sentem os ares da marginalização, e unir-se-ão do lado do Chega, pois, passa a ser uma questão identitária, como nos anos 70 quando se uniram do lado do PCP, o lado errado da história, o lado que perdeu e perde sempre.

O das extremas.