30 Setembro 2018      18:39

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O atlas espantadiço de Ayn Rand

Digo o que posso e devo, dadas as circunstâncias -

Começo por copiar da introdução de um texto anterior (e eis uma auto-citação):

“Ler um elevado número de excertos desse amontoado de páginas de pseudo-saber que é Atlas Shrugged, qualquer coisa como O Atlas Que Encolheu os Ombros e Foi à Vidinha Dele, de Ayn Rand, é uma experiência atroz (e contudo necessária) que pode afectar o precioso mecanismo das conexões cerebrais e causar danos permanentes.”

Fim de auto-citação.

Vazio auto-imune, Atlas Shrrgged. Imagine-se um vazio que nem sequer é o nada, uma vez que tem forma (gritemo-lo: a estupidez extrema em forma de compêndio, majestoso hino à imbecilidade!). O que terá passado pela cabeça de Ayn Rand para escrever o que escreveu convencida de razões é motivo de perplexidade, mas temos o dever de desconfiar dessas razões. Atlas encolhido!? Não, atlas entrevado, assustado com a própria sombra, mas com ares de soberano. Atlas paralisado, morto de medo, merdoso, macaquinho cheio de músculos porém incapaz de pôr o pé de fora. Escatologia sem sangue na guelra – nem isso! Mil e cem páginas sem qualquer préstimo. Exagero, vá lá para acender ou atiçar fogueiras num dia de Inverno.

Resumo da coisa: os poderosos produtivos do mundinho, pobres criaturas, fartos de carregar com os inúteis às costas, decidem retirar-se para que o mundinho caia no caos e se reconheça finalmente o seu (deles) valor.

Ó cambada de adiantados, o mundinho já vive no caos, de que importa que V. Exas. por cá andem ou não. Sim, vão à vossa vida, vão criar uma utopia longe da vista, porque há coisas que ferem mais do que a privação. E não se esqueçam de levar o vosso deus. Carregar o peso do mundo? E já agora, por falar em pretextos e desdéns, lição última, porque não referir o peso de milhares de milhões em barras de ouro que também carregam. Alguém tem de comprar as maravilhas que inventam, não é!? Bela premissa, sim senhor! Digna da madame que a escreveu. E depois a coisa piora, com a autora querer dar ares de filósofa de pendor universal – Objectivismo, assim lhe chamou. Se todos nos juntarmos numa corrente de puro egoísmo, centrados exclusivamente nos nossos interesses, é claro que o resultado só pode ser esplendoroso. Como não!? O somatório de milhares de milhões de pessoas deleitadas com os seus reflexos, inebriadas com os seus múltiplos sucessos, só pode ser isso mesmo, milhares de milhões de regozijos. Viva o comunismo ao contrário! Viva a religião capitalista! Pois, como se sabe, as consequências dos nossos actos nunca revertem negativamente. Uma fábrica deslocalizada, por exemplo, nunca deixa desempregados atrás. Não vivemos num universo entrópico. Nada se destrói, a construção é imperecível, momento de ternura do bom deus para com a sua melhor criação, o sublime sapiens sapiens! Claro que quem usou a sabedoria da senhora filósofa precisava de um encosto – E qual foi? Sim, adivinharam: a religião. Estende-se até ao presente, para que conste, cultores não faltam no outro lado do Atlântico.

Ler as suas frases, engulo em seco, nada tem de sedutor em termos literários, mas, em compensação, na sua escrita pueril pode-se vislumbrar muito e distintamente sobre a inútil-criadora. Desde logo, sobressai uma frustração sexual que nem faz por esconder (e por não saber como), as suas palavras são, em certo sentido, analógicas, nelas é possível ler uma enorme dificuldade da madame em atingir o orgasmo, ficando também em evidência que nunca foi duplamente penetrada de modo satisfatório (em suma, ao contrário de outras e outros, como no que compete ao rabiosque apenas conheceu a dor e nunca o prazer, não lhe é possível expor sem melindre, ou sequer escondê-lo atrás de alguma ideia).

 

Imagem de atlassociety.org