29 Abril 2018      12:30

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Nick Drake, cinquenta e nove canções depois

Muito facilmente encontrarão escrito que Nick Drake viveu a maior parte da sua vida subjugado pela depressão, que aos 26 anos finalmente o matou. Mais difícil é pressupor para lá da biologia, da mecânica da doença, senão identificada e curável, pelo menos identificada e tratável.

Há trinta e cinco anos, Marguerite Duras não se furtou à palavra, pois não podia, mas alongou-a, até ao infinito ou muito próximo (exagero necessário).

Doença que tinha nome, mas não forma, a Doença da Morte. Uma falta sem remédio – a ausência de vitalidade.

Doença da Morte. Quem dela padece, pode dizer-se, nunca esteve verdadeiramente vivo. E que não restem dúvidas, atinge ociosos e sobrecarregados por igual. E não está de modo nenhum associada ao movimento, as pernas dos doentes da Morte podem mover-se rapidamente e com grande resistência ao atrito ou pesarem toneladas atirando esses enfermos para a inércia pungente dos acamados crónicos. Também não importa se se é
criativo ou estéril, pois, reforça-se para que fique claro, não falamos de capacidade de trabalho nem de proficiência.

Ainda assim, os criativos, quando é o caso, encontram nos seus dolorosos caminhos um convenientíssimo meio de expressão, como esse cúmulo de genialidade triste que foi Nick Drake, extraordinário (insistência perdoável) cantautor inglês. As suas canções, vindas de onde vêm: do coração da enfermidade sem forma, são estranhamente lúcidas, e por isso (o que é ainda mais estranho) são para nós inabaláveis, como uma subida íngreme que principia e não se pode interromper senão no topo. A sua voz, retoque que surge (ou parece surgir, vai dar ao mesmo) depois de aturado cálculo, fá-las então subir ao dito cume. Enfim, como alguém disse num certo dia de Outono: estrelas explodem, e à nossa volta tudo aparentemente tão calmo.

 

Imagem de projectrevolver.org