2 Abril 2016      11:48

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NEVOEIRO

"PARALELO 39N"

Na senda dos campos desconhecidos, há um inverno que se prolonga. Nos altos das montanhas, sopra o vento frio e cavernoso e as árvores acomodam-se  deixando gelar as folhas. As árvores não se avistam pois o nevoeiro cobre todo o espaço entre si e as músicas que se ouvem. Não são êxitos pop, mas sim o leve assobiar das árvores quando tocam o vento e se apaixonam pelas folhas. Num dia de nevoeiro, tudo parece mágico como se não houvesse uma linha de horizonte definida.

Caminho muitas vezes no meio do nevoeiro, no cimo da montanha que me protege com a sua sombra, mas não me assombra. Nem nos sonhos se acaba o nevoeiro que percorre o meu caminhar. Anseio sempre por atingir o topo da montanha como se isso fosse a meta de uma vida de trabalho. Na vida, como em todas as coisas, ambicionamos sempre mais e queremos chegar ao topo de alguma coisa. São os objetivos, as metas que nos movem e nos inspiram. Neste caso, a montanha no seu topo é o fim. Não parece haver nada além, mas sempre há uma descida. Há sempre um percurso inverso que tem de ser feito para se chegar ao ponto de partida.

O nevoeiro é o infinito que esconde o Sol e é o misto mágico do nosso pensamento e imaginário. Esperamos, todos, enquanto povo, a chegada de um rei há muito ido. Chegará, dizemos, num tom messiânico, num dia de nevoeiro. Fará esse percurso inverso à terra de partida e ao ponto de chegada que o levaria ao topo. Quem sabe se já nos cruzámos no meio deste nevoeiro e nos ignorámos. A inexistência de linhas condutoras neste percurso, no meio dos campos, leva a que se vejam todas as pedras do caminho, a que se preste atenção ao imediato sem que haja um olhar ao horizonte. O nevoeiro é ilusão que se instala no meio dos homens e os torna invisíveis.

Nos trilhos que consigo visualizar no meio da montanha, vejo nas plantas húmidas pelas gotas que se soltam da imensidão em branco, o verde e as outras cores. Vejo o imediato, que me satisfaz e realiza, na busca de respostas. Nos trilhos que se compõem por trilhos já feitos e já caminhados, não há mais longe do que a distância do olhar indeciso de um caminhante no meio das montanhas. Se fosse um sonho, acordaria no meio das pedras e das ervas, deitar-me-ia no meio da relva do monte e olharia para o céu sem que o visse. Bastar-me-ia imaginar que está lá. Bastar-me-ia sonhar com o som das árvores e do vento quando murmuram segredos entre si.

Se fosse um sonho, o nevoeiro seria os caminhos e seria os cenários da vida que, no fundo, conhecemos e desconhecemos. No cume da montanha, onde se espera que o nevoeiro já não seja, onde a claridade do Sol se estende nos seus raios, olhar-se-ia o nevoeiro em baixo. Olhar-se-ia um manto branco, onde tudo adormece debaixo, mas tudo se preserva. Tal como uma criogenia comum e coletiva de todos nós, buscamos no meio dele o caminho já trilhado. Buscamos também, tantas vezes percorrer novos trilhos, inventar novos percursos, guiados pelos sons do vento, pelos segredos que contam às árvores quando se apaixonam pelas folhas e acreditamos neles.

No cimo, vemos tudo e parece-nos mágico, místico e solitário. Parece-nos que nada além de nós se mantém abaixo do sol, desprotegido do nevoeiro. Mas, há sempre o caminho inverso, o percurso a fazer no meio dos trilhos que subiram. E, nesse nevoeiro, se fecharmos os olhos, tudo parece claro e vemos o caminho que queremos percorrer, ouvimos os segredos que são aquilo que queremos ouvir e não há nada mais além disso. Só o nevoeiro. Só o som de um murmúrio e as gotas de água que nos hidratam o rosto.

 

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