13 Maio 2018      09:55

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Neon Demon II

(Resposta em modo post aos comentários do R. e do F., que obrigam a exigência máxima: - Quanto às durações e aos planos utilizados na sequência de necrofilia, não vejo nada que me impressione negativamente – pertencem à natureza do filme. E a saliva dos beijos é tudo menos simulacro. Quando dizes que o corte para Jesse é contraproducente, ou seja, desnecessário, eu arrisco dizer que é o que tem de ser. Se há coisa que irrita o analista pós-revolução industrial, é quando se goza / joga abertamente com a segurança da observação (não só no sentido de não haver coordenadas disponíveis, mas, mais ainda, quando estas existem e indicam um ponto errado – o que, esclareça-se, só pode ser interessante se for acto deliberado; serve a arte sob certas condições, nunca a ciência). Porque a verdade é que já vamos predispostos para o que está de acordo com o modelo correcto (racional e caucionado por décadas de boa análise). Sim, é óbvio que não se deve mostrar demais, que não era preciso reforçar o nexo de causalidade com a cena anterior, tudo isso. Mas isso não é o filme (The Neon Demon), melhor, seria fugir ao filme.

Este é um filme que não vive de acontecimentos objectiváveis (os – acontecimentos - que tem nem sempre nos dão margem de manobra - reconhecimento), não vive de espaços pré-definidos criados para o / esse efeito, é como se fosse decorrendo sem a devida legenda (subentendida, é claro), sem oferecer um número de pistas suficientes

(também não sabemos se a orgia contada em Persona aconteceu realmente, mas aconteceu, pois construiu para a personagem que vemos a contar, e tal basta).

Do tipo, isto acontece realmente, isto é sonhado, isto não é. Acontece e não acontece – ou terá acontecido –, em simultâneo. Sem estratificação. Nesse sentido, um cineasta próximo de Refn é Oliver Stone, se bem que com as devidas diferenças: Oliver Stone é retórico, Refn é pictórico.

Dizes que devíamos ficar algum tempo com Ruby para que a imaginação possa trabalhar, eu falo em emoção contagiante. As sequências são belas e são únicas e são, até certo ponto, de facto, não relacionáveis umas com as outras. Mas também são: é na troca de planos entre Ruby e Jesse, durante a sequência da necrofilia, que vemos erguer-se o potencial, antes contido, envergonhado, de Jesse (é um atalho que pode confundir, pois não sabemos quem pensa em quem, ou sequer se alguém está a pensar em alguém, e nesse caso para que serve? – E depois?), que assim, na sequência seguinte, pode finalmente expor-se, para finalmente ir ao encontro do seu destino. É a imagem ao serviço de si própria? Tudo, na aparência, tão
terrivelmente errado, e alguns de nós sem nos preocuparmos, perfeitamente integrados. A emoção abalou a razão. O que me devia ter abalado, mas não abalou. É a técnica dos telediscos – mais uma razão para me sentir abalado, e, ainda assim, não.

O autor constrói-se (ou desconstrói-se) perante o nosso olhar numa odisseia de desconsolo e horror e fascínio e auto-satisfação (ou sem contradição ou abençoada contradição, não simplesmente contradição) sem forma concreta nem conteúdo tornado objectivo. Quem sabe se o tudo que é o nada, de que ele tanto fala na entrevista ao James Franco, quem sabe se sem saber do que estava a falar…

Se quer que amemos odiá-lo ou que odiemos amá-lo, de mim não leva nada!

Este é um filme feito para o nosso desprezo, que ousaremos não desprezar (razões para detestar há de sobra, e quase todas fundadas na boa análise), jogando / gozando, quem sabe, também abertamente com a observação. Alguns filmes servem para isso. A mim, devo dizer, não sei ainda bem para que me serviu, mas sei que continua a assombrar-me.)

 

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