30 Outubro 2017      10:20

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NÃO EM NOSSO NOME!

 Esta semana tem sido marcada por diversas reacções ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto num caso de violência doméstica e que foi assinado pelo Juíz Neto Moura.

Não irei aqui fazer qualquer apreciação sobre a opção de manter a decisão de primeira instância pois não tenho os dados suficientes para fazer essa análise.

Creio mesmo que o foco nesta situação nem está tanto na decisão em si, mas sim na fundamentação da mesma.

Toda a fundamentação é feita colocando a culpa na mulher que, alegadamente, terá cometido adultério o que, atendendo à argumentação apresentada seria uma atenuante à pena do alegado agressor.

Como se tal não bastasse, são feitas referências à Bíblia e a legislação que, há séculos não vigora no País.

Dando uma vista de olhos à legislação actualmente em vigor, não é preciso procurar muito para encontrar várias e graves violações que não podem ser cometidas por representantes de órgãos de soberania.

A Convenção de Istambul que rege a actuação europeia nos casos de violência doméstica prevê claramente que os órgãos do Estado deverão agir diligentemente por forma a prevenir, investigar, punir e proporcionar a reparação por actos de violência doméstica.

Ora, toda a fundamentação da decisão tomada pelo Tribunal da Relação do Porto coloca a alegada vítima numa situação de responsável por uma alegada agressão cometida pelo seu companheiro. Atentando na referida convenção, é claramente previsto que se deve evitar a visão do adultério como culpa em violência doméstica.

Num Estado que se diz laico, não se pode admitir a referência num acórdão, a elementos constantes na Bíblia pois tal constitui uma clara violação à Constituição da República Portuguesa que prevê claramente a laicidade do Estado.

Por fim, a legislação em vigor vai mudando ao longo dos tempos por diversos motivos, sendo que um deles é a evolução da sociedade e das mentalidades dos povos.

A fundamentação apresentada é um regresso a um passado longínquo que não deve ser deixado passar em branco pelos órgãos disciplinares competentes.

Numa sociedade cada vez mais desperta para as questões da igualdade de género e da não discriminação entre sexos, um acórdão com esta fundamentação poderá ser um perigoso retrocesso no caminho feito por todos os órgãos europeus e nacionais no combate à violência doméstica.

Este não tem sido um caminho fácil e todas as pessoas que lutaram e que lutam todos os dias pela não discriminação entre sexos merecem o respeito e o reconhecimento de tudo o que tem sido conseguido nestes últimos anos.

Este é um caminho que não pode ser percorrido.

Não em nosso nome!

Imagem de capa de mundodapsi.com