3 Outubro 2020      12:37

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A moça que se ria e ria e ria...

Que melhor forma de começar o fim-de-semana se não com uma fábula sobre uma moça que se ria e ria e ria? Muitas histórias são trágicas, mostram aspetos da vida dos animais e das pessoas que nos fazem pensar.

Esta não, esta é uma história sobre uma moça simples cuja principal característica era a sua capacidade de se rir desde que nascera.

Na localidade onde nasceu e residiu toda a sua vida, não tinha nada. Nem televisão, nem internet... os seus dias eram o mais entediante e tedioso possíveis. Nada na sua vida pasmaceira era digno de registo.

Numa família numerosa de doze irmãos e mais os primos e mais a família alargada, vulgo parentes. No Alentejo, de alguma forma, somos todos parentes.

A moça, que não nomeei ainda, chamava-se Laurinda e era, pasme-se, uma hiena! Aqueles animais que parece que estão sempre a rir?

Parece. Mas não é. Era de uma família que era sobejamente conhecida pelas suas idiossincrasias. Pejo e misericórdia não eram algo que lhes fosse familiar.

Laurinda, ria, sorria, ria e assim vivia todos os momentos. Já na escola primária, cada vez que a professora perguntava alguma coisa, a hiena moça ria e não respondia. Não sabia a resposta, mas isso também não interessa nada. O importante é que o seu comportamento era obsessivo-compulsivo. Viria de fatores genéticos, dirão a senhora leitora e o senhor leitor. Não sei! Laurinda nunca me enganou. Debaixo daquele sorriso continuo, escondia-se uma figura alarmante. Pensava eu.

Descobri, com algumas dores, que não devemos julgar um livro pela capa, ou a personalidade de cada um pelas suas famílias. Para mim, até ao dia em que conheci Laurinda melhor, tudo parecia absolutamente enquadrado e tudo funcionava bem.

Conhecer, de repente, uma hiena que ria, ria, ria e que não era um predador fez-me, a mim, um gnu das planícies do Kalahari, rever todas as minhas concepções e falsos juízos.

Ah ah ah! Pensavam as senhoras e os senhores que era o J.C. Adão que estava a falar. Nada disso, meus amigos. Eu uso os dedos dele para escrever as minhas coisas porque as minhas patas não funcionam muito bem nestes teclados. Porém, sou eu, um gnu. Corro depressa. Não penso tão depressa quanto corro, mas consigo ver o perigo quanto espreita e Laurinda, um dia que ela estava à janela a rir, chamou a minha atenção. Eu sabia que aquela casa era perigosa. Em cada uma das janelas, uma hiena sorria e ria, e ria e zás, a presa já tinha os dentes sorridentes cravados na anca, ou no presunto.

Certo dia, após passar em frente à sua janela, noto que, pouco tempo depois, Laurinda saíra da sua janela e corria atrás de mim. Acelerei as patas e corri como um louco.

Aquela savana, aquele capim imenso e num soslaio, Laurinda na minha trilha, língua de fora e dentes sorridentes que eu sabia, ou pensava, serem para me cravar no presunto ou pior, no externocleidomastoideu!

Acabou-se me o fôlego e rendi-me. Parei, exausto, e esperei pelo pior. Ia morrer ali e servir de alimento a toda a prole.

Laurinda, aproximou-se, sempre a rir e passando-me a patinha da frente pelo meu focinho cansado, jogou uma bola de golfe para a frente e ria, ria e ria como quem quer brincar.

E brincamos naquele dia e nos outros todos a seguir. Enquanto brincássemos, sabia que pelo menos Laurinda não me comia. Tornei-me jogador de golfe profissional, eventualmente.