18 Maio 2019      11:14

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A medida de todas as coisas

Expressão tantas vezes utilizada e tantas vezes não sabemos o que significa. Pois, nem nós nem o Senhor Senhorinho. Assim era seu nome e era vendedor de mercados e feiras há muitos anos. Senhor Senhorinho vendia tudo, mas tudo mesmo. Desde a mais simples peúga, ao mais complexo aparelho de televisão em HD, tudo estava à venda no atrelado do Senhor Senhorinho. Vendia de tudo e conhecia tudo. Tinha sementes... grão, feijão, trigo, aveia, cevada e até farelo. E, pior, vendia de tudo com a medida precisa, pois tinha a medida de todas as coisas. Era um verdadeiro negociante que sabia o que fazia e conhecia as vendas, os vendedores, as gentes, os cheiros, os sabores... conhecia o mundo inteiro, que transportava dentro da carrinha.

Senhor Senhorinho tinha os dias todos ocupados. Não descansava em nenhum deles. Mesmo aqueles dias que não tinham feira já na designação, eram dias de trabalho. Fazia mercados, arraiais, feiras do gado, feiras nacionais e feiras locais.

Um dia, a vida do Senhor Senhorinho sofreu um gravíssimo percalço. Era hábito do vendedor dormir nos lugares onde armava a tenda, dentro da carrinha. Naquela noite, depois de acabada a feira e tendo esta sido na aldeia onde moravam os primos, foi jantar com eles e na sua residência. No dia seguinte de manhã, quando se dirigiu ao terreno da feira, estava lá o lugar da carrinha mas o transporte em si, nem vê-lo. Roubaram-lhe a carrinha e o mundo. Não só porque tudo o que havia no mundo, ou quase tudo, estava lá dentro, mas porque aqueles carrinha era o seu mundo! Toda a sua vida. E era como se lhe tivessem cravado dezenas de facadas. Apunhalaram-no. Roubaram-no. Tiraram-lhe o mundo! Os primos tentaram acalmá-lo e assegurar-lhe que tudo se resolveria e que ia aparecer com certeza. Senhor Senhorinho estava inconsolável e não se convencia. Não ia aparecer nada, pensava. Nunca mais ia ver aquela Ford Transit branquinha que tantas alegrias lhe dera. Nem quando se tinha acabado o gasóleo a 100km do lugar de destino, tinha ficado mal. Era agora. Jamais seria o mesmo.

Vieram a guarda, as pessoas todas e até o presidente da Junta. Uma alargada investigação foi desencadeada e duas semanas depois lá se descobriu a carrinha abandonada. Vazia, despojada do mundo.

Quando Senhor Senhorinho soube da novidade, as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto abaixo. Um misto de lágrimas de tristeza e conforto ao mesmo tempo. Ficou um dia sozinho. No dia seguinte, disse: vão-se os anéis mas ficam os dedos e foi ao armazém encher a carrinha que entretanto lhe tinha sido devolvida.

Nesse mesmo dia, vendeu feijão e grãos, na mesma medida. A medida de todas as coisas.

 

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