28 Outubro 2018      00:28

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Mas “ele não” porquê?

Desta vez, o Brasil é foco e não é pelos golos e fintas do Ronaldinho ou pelo Carnaval do Rio. Os olhos do mundo – passadas três semanas da primeira volta – voltam a estar postos no “país irmão“ porque a escolha do Brasil, com uma polarização do eleitorado nunca antes vista, vai recair num de dois nomes: Jair Bolsonaro (PSL -) ou Fernando Haddad (PT – Partido Trabalhista).

À hora que escrevo o Brasil estará já em reflexão para escolher quem o liderará nos próximos anos. À hora que está a ler este editorial, o Brasil já vota para escolher o próximo Presidente.

Até aqui, tudo normal, como se quer em Democracia. Mas Bolsonaro tem revelado posições e ideologias assustadoras para quem defende a Democracia, a Igualdade e a Liberdade e meio mundo está receoso dos acontecimentos que a eleição do candidato do Partido Social Liberal possam causar, e creio que por duas razões: por Bolsonaro ser Bolsonaro e porque será democraticamente legitimado.

Estas não são umas eleições banais e podem ter um reflexo muito importante em toda a América Latina, e até no mundo, dado o possível efeito de alastramento do populismo do candidato  Bolsonaro.

Mas quem é Bolsonaro? O que disse? Que ideias tem? Porquê “ele não”?

Bolsonaro é o candidato que o a última edição do “Economist” classificou “um perigo para a América Latina”, considerando-o pior que os militares e fascistas da época da ditadura brasileira. O candidato, reportando a essa época chegou a dizer, em 2016, que “O erro da ditadura foi torturar e não matar” e antes tinha já dito que “No período da ditadura deviam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo Presidente Fernando Henrique, o que seria um grande ganho para a nação.”

Bolsonaro é o candidato que disse sobre uma violação que a mulher violada “não merecia ser violada por ser muito feia”.

Bolsonaro é o candidato que revelou que seria incapaz de amar um filho homossexual, preferindo vê-lo morrer de acidente a aparecer com “um bigodudo”.

Bolsonaro é o candidato que já anunciou medidas que, caso venha a ser eleito, vão abrir a Amazónia à desflorestação.

Bolsonaro é o candidato que disse que, caso venha a ser eleito, o trabalhador terá de escolher entre direitos e emprego.

Bolsonaro é o candidato em que quase 50 milhões de brasileiros, votaram na primeira volta e que é visto por muitos como “um salvador da pátria” capaz de resolver os problemas de violência que assolam o país; acreditam na figura do líder mais que na ideologia do mesmo.

No “Le Monde” da passada quinta, duas historiadoras francesas, especialistas no Brasil,  revelavam que a dinâmica eleitoral conseguida por Bolsonaro é muita parecida à vivida nos períodos entre guerras.

Os discursos agressivos, homofóbicos e intolerantes de Bolsonaro – também com referências à realização de "uma limpeza" de toda a oposição - têm tido consequências e efeitos práticos no quotidiano do Brasil com um aumento do clima de violência, suásticas pintadas  nas paredes e até feitas com facas em opositores de Bolsonaro, ameaças de morte, agressões físicas contra militantes da esquerda, afro-brasileiros e membros da comunidade LGBTQ, acontecimentos que Juliette Dumont, professora do Instituto de Altos Estudos da América Latina (Iheal), da Universidade Sorbonne Nouvelle, e Anaïs Fléchet, professora da Universidade de Versalhes, e que consideram que Bolsonaro consubstancia como poucos, desde a Segunda Guerra Mundial, a exaltação dos valores e práticas do fascismo, pretendendo impor-se democraticamente.

As razões para o sucesso de Bolsonaro são várias como a crise económica, política e moral e onde o discurso em defesa da repressão política e da tortura - aludindo à "purificação nacional" - e uma provocada associação da esquerda ao comunismo, à criminalidade e à perversão moral, se vem apresentar como a “solução perfeita” para os males do Brasil.

Para espalhar este discurso, Bolsonaro tem contado com a ajuda da comunicação social e das redes sociais para espalhar estas mensagens que chegam a ser de ódio, além do bombardeio de “fake news” que fazem duvidar do que será realmente a realidade.

Aos poucos, e com os mesmos meios, Bolsonaro e os seus foram implantando o culto da personalidade, do 'mito' Bolsonaro, um homem de bem, que será o “salvador da Pátria” quando na realidade Bolsonaro está também envolvido em diversos casos de enriquecimento ilícito e desvio de fundos públicos, além da presumível existência de um saco azul na sua campanha, do escândalo de financiamento ilegal de um sistema de envio massivo de mensagens de WhastApp e das ameaças da família Bolsonaro à Justiça brasileira.

Talvez seja suficiente para se perceber quem é Jair Bolsonaro, o homem que, ao vencer democraticamente, será o efetivar do oposto de muito daquilo que são os valores Liberdade, do Pluralismo e da Democracia.

Quem está do outro lado? Haddad, o candidato do PT de Lula e de Dilma e que carrega o fardo pesado das suspeitas de corrupção dos dois nomes fortes do PT. Haddad não é, nem de perto, nem de longe, o melhor candidato, e muito menos presidente, mas como tantas vezes em Democracia, trata-se de escolher o menos mau, e não o melhor.

As ligações fortes de Haddad a Lula foram umas das forças de Bolsonaro que assim conseguiu “fundir” a direita mais tradicional com a extrema-direita iniciando uma nova força ideológica.

Foram as falhas de Lula e Dilma que levaram o Brasil à situação quase caótica em que se encontra e que contraria de todo o seu lema “Ordem e Progresso”, de tal modo que até os militares estão a recobrar algum do poder que detiveram durante a ditadura.

É quando a democracia e a justiça são violadas e corrompidas por aqueles que mais diziam respeitá-la que surgem os populistas como Bolsonaro e que, vencendo eleições, abrirão espaço a princípios e valores muito preocupantes.

São estas as preocupações que têm levado tantas pessoas, um pouco por todo o mundo, a apelar ao voto em Haddad.

Curioso que a direita portuguesa se comporte como se nada se passasse; como se o discurso de Bolsonaro fosse normal e até dizendo que preocupar-se com o Brasil é luxo e que cá por Portugal também há com que se preocupar. Faz lembrar aquele velho poema de Brecht sobre os escravos. Há cada vez mais preocupações e desconfiança, é verdade, em parte culpa da própria direita que está a utilizar o mesmo discurso de bipolarização suicida que tem trazido as extremas a subir nas sondagens.

Estão preocupados em criar um clima de desconfiança em tudo e depois, quando esse clima se instala, também eles pagarão as consequências, pois como disse Madeleine Albright “O fascismo instala-se quando as pessoas se convencem de que ninguém é de confiança.” E nos dias que correm parece que basta dar um pontapé numa pedra para encontrar um discurso semelhante ao de Bolsonaro.

Curioso também é que os receios que Bolsonaro cria de uma possível ditadura de extrema-direita - e consequente violação das liberdades individuais e dos direitos humanos, no Brasil – e que tem levado a várias manifestações de políticos de todos os quadrantes da esquerda nacional, tem pontos em comum com a ditadura de esquerda da Venezuela, a mesma que alguns dos quadrantes da esquerda nacional se recusaram a censurar no Parlamento português.

Jason Brennan, cientista político americano, disse um dia que "Do mesmo modo que não queremos os bêbados a conduzir, também não queremos os ignorantes a votar." Não concordo, todo o ser humano, maior de idade e consciente, tem direito ao voto; o vencedor de eleições justas democraticamente é resultante do funcionamento democrático das instituições. Se esse vencedor é alguém que pode colocar em risco a própria Democracia, a culpa é também daqueles que, através dela, enganaram o povo que os elegeu. Deste modo, refaria a frase de Brennan e modificaria o seu final: "Do mesmo modo que não queremos os bêbados a conduzir, também não queremos os ignorantes a governar."

Apesar de desiludido com muito do que se tem passado nas democracias modernas – em muito subjugadas à Economia ultra-liberal - a Liberdade, a Pluralidade e a Igualdade - valores defendidos no Estatuto Editorial do Tribuna Alentejo - não podem nunca ser postas em causa.

Por tudo isto: “ele não.”

 

 

Imagem de observatoriog.bol.uol.com.br

 

 

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