Há décadas que Portugal é acusado de ter um Estado centralista e egocêntrico, em que muitos dos principais decisores políticos não conhecem a realidade dos portugueses espalhados pelo país, e em que a concentração de poder em Lisboa serve de garantia para que o controlo do Estado não se perca das mãos dos mesmos poucos de sempre.
Quem ouviu o presidente da Câmara de Lisboa referir-se na televisão ao concelho de Ovar, dizendo que era mais pequeno do que uma freguesia de Sintra, percebe a falta de pudor com que esta arrogância bacoca e ridícula é assumida.
Mas há ainda pior.
No dia 4 de junho, a ministra espanhola do Turismo divulgou que era intenção de Espanha abrir as suas fronteiras a todo o espaço Schengen no dia 22. Esta data acabou até por ser antecipada para o dia 21. Com uma exceção. Num misto de inocência e de ingenuidade, a ministra esqueceu-se que há um país no espaço Schengen, pobre de espírito, mas rico de soberba, que não gosta que outros países façam declarações que os envolvam sem o seu consentimento: Portugal.
É evidente que, no momento em que vivemos, a decisão da abertura das fronteiras de um país cabe a esse país. Se o país vizinho quiser manter as suas fronteiras fechadas, nada compromete essa decisão. A passagem de cidadãos é autorizada num sentido e não é autorizada no outro. É assim em toda a União Europeia e é assim em todo o mundo, menos em Portugal. Em Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros e o Presidente da República mostram-se surpreendidos e desagradados com as declarações da ministra espanhola, exigem esclarecimentos ao governo espanhol, e dão origem a um incidente diplomático que, à boa maneira sulista, será resolvido com um almoço que reunirá primeiros-ministros, Presidente da República, rei, e, claro, respetivas comitivas.
Portugal tem hoje dez vezes mais novos casos de covid-19 por milhão de habitantes do que Espanha. Deveria por isso agradecer a boa-vontade espanhola de nos incluir nos países que aceita receber. Algo que, como sabemos, muitos outros, por precaução, não fizeram. Pelo contrário, Portugal exige que a fronteira continue encerrada durante mais uma semana, por exclusiva teimosia e medição de forças. Espanha teve neste caso a maturidade diplomática de não dar seguimento ao incidente, sabendo já o que a casa gasta e acreditando que a birra portuguesa não valia o esforço. Fizeram bem.
Agora, em relação ao custo económico e social das fronteiras fechadas para os portugueses pelo país fora, desengane-se quem pense que alguém se preocupou em analisar, calcular ou ponderar o que quer que seja. Isso não lhes conta para nada. O importante para o governo e para o Presidente da República foi que venceram o incidente que eles próprios criaram, e o impacto eleitoral que isso possa ter tido. Servimos-lhes para votar, de resto somos-lhes completamente indiferentes.