25 Abril 2022      09:36

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A Liberdade não é eterna!

Portugal celebra, este ano, a marca de mais anos em Democracia que em Ditadura.

O Estado Novo foi o regime ditatorial mais largo da Europa - durava desde 1933 - e a revolução aconteceu 48 anos depois, nessa madrugada de 25 de Abril de 1974 que que Sophia de Mello Breyner Andresen definiu assim:

“Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo.”

A mundialmente conhecida como “a revolução dos cravos” começou a ser planeada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), grandemente composto por capitães que tinham tido participação na Guerra Colonial, apoiados por muitos outros soldados milicianos,

A primeira reunião de capitães terá sido em África, em Bissau na Guiné, e a segunda no Monte do Sobral, em Alcáçovas, distrito de Évora, a 9 de novembro de 10973, após se terem encontrado no Templo Romano em Évora. A última e definitiva reunião antes da revolução ocorreu a 24 de março de 1974.

Em Lisboa, no quartel da Pontinha, Otelo Saraiva de Carvalho instalou um posto de comando secreto e às 22:55h, a música de Paulo de Carvalho “E depois do adeus” serviu de mote ao início da revolução e à preparação das forças revolucionárias, muitas que partiram rumo à capital.

Um pouco mais tarde, às 00:20h, “Grândola Vila Morena”, a canção que Zeca Afonso escreveu para homenagear o cante, passou na Rádio Renascença, foi a segunda senha e significava “tropas em movimento”. Tinha sido uma canção banida pelo “lápis azul” da censura e era já o primeiro gesto da revolução.

Na madrugada de 24 para 25 de abril, estas forças marcharam para Lisboa com um reduzido poderio militar, mas com um fortíssimo apoio da população e empurrados por esperança num Portugal livre e democrático.

Eram 00:30h e os militares do MFA ocupam a Escola Prática de Administração Militar. Meia hora depois foi a Escola Prática de Cavalaria de Santarém – cuja missão era ocupar o Terreiro do Paço, em Lisboa – e deu-se aí o momento em que o capitão Salgueiro Maia proferiu as célebres palavras: "Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser, vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui."

Em simultâneo, iniciava-se a movimentação de tropas em Estremoz, Figueira da Foz, Lamego, Lisboa, Mafra, Tomar, Vendas Novas, Viseu, e outros pontos do país.

Pelas 3:00h as tropas revoltosas, em sintonia, iniciavam a ocupação – sem grande resistência -de pontos fulcrais para o sucesso da revolta: o Aeroporto de Lisboa, o Rádio Clube Português, a Emissora Nacional, a RTP e a Rádio Marconi e o regime reagiu eram já 4:15h, quando foi ordenado que as forças sedeadas em Braga avançassem sobre o Porto para recuperar o Quartel-General, no entanto, também estas forças tinham aderido ao MFA e ignoraram as ordens do regime.  Poucos minutos depois - pela voz do jornalista Joaquim Furtado, no Rádio Clube Português - surge o primeiro comunicado do MFA e que apelava à calma, explicava o que estava a acontecer e mostrava intenção de evitar o confronto, mas que estavam preparados para ele. À leitura do comunicado seguiu-se o Hino Nacional, “A Portuguesa” e a marcha militar "A Life on the Ocean Waves" de Henry Russell e que viria ser o hino do MFA.

As forças revolucionárias da Escola Prática de Infantaria de Mafra controlavam o aeroporto de Lisboa e também o aeródromo de Tires já estava ocupado.

Salgueiro Maia e a Escola Prática de Cavalaria de Santarém ocupavam já o Terreiro do Paço quando, por volta das 6:30h, um pelotão do Regimento de Cavalaria 7, comandado pelo Alferes Miliciano David e Silva, fiel ao Governo, chega ao Terreiro do Paço, deixando na eminência um confronto que, após conversações, colocou as tropas comandadas pelo alferes às ordens do MFA.

Marcelo Caetano, o Presidente do Conselho de Ministros e a cabeça do regime, estava no Quartel do Carmo mas era no Terreiro do Paço que a tensão continuava e que aumentou com a chegada do Regimento de Lanceiros 2, força do regime, contrária ao MFA, que tomou posição na Ribeira das Naus. A poucos centenas de metros de distância, Salgueiro Maia prendia o Tenente-Coronel Ferrand de Almeida.

No Tejo, a fragata "Gago Coutinho" tomava posição frente ao Terreiro do Paço com ordens para disparar sobre as tropas de Salgueiro Maia. Nunca chegou a fazê-lo.

Os ministros da Defesa, da Informação e Turismo, do Exército e da Marinha, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o Governador Militar de Lisboa, o subsecretário de Estado do Exército e o Almirante Henrique Tenreiro conseguem, entretanto, fugir do Ministério do Exército – estavam cercados no Terreiro do Paço – por buraco que abriram na parede em direção ao Posto de Comando das forças leais ao Governo.

Às 10h acontece um dos momentos mais dramáticos e críticos da revolução: na Ribeira das Naus, o Alferes Miliciano Fernando Sottomayor não obedece às ordens do Brigadeiro Junqueira dos Reis para disparar sobre Salgueiro Maia e as suas tropas. Sottomayor recebe ordem de prisão e a ordem para disparar sobre os soldados revolucionários volta a ser dada. Ninguém a cumpriu e Junqueira dos Reis disparou dois tiros para o ar, abandonando em seguida o local.

Momentos depois, na Rua do Arsenal, o Brigadeiro Junqueira dos Reis dá ordem de fogo sobre o Tenente Alfredo Assunção - enviado por Salgueiro Maia para negociar com as forças de Junqueira dos Reis. A ordem também desobedecida e o Brigadeiro Junqueira dá três murros no Tenente Assunção.

Com o MFA a controlar as operações pelo país, a coluna militar comandada por Salgueiro Maia, cerca o Largo do Carmo e tem ordens para abrir fogo sobre o Posto de Comando e provocar a rendição de Marcelo Caetano.

Nesta caminhada – do Terreiro do Paço para o Carmo - Salgueiro Maia foi apanhado, numa foto de Eduardo Gageiro, a morder o lábio. Mais tarde, quando questionado pelo porquê dessa reação, respondeu que o fazia para não chorar, pois naquele momento já sentiam que a revolução não iria parar e disse: "A marcha para o Carmo foi extraordinária pelo apoio popular que agregou, que contribuiu bastante para que o Carmo perdesse a vontade de resistir. Nunca tinha visto o povo a manifestar-se assim. No Carmo, ao chegar houve desde senhoras a abrir portas e janelas até ao simples espectador que enrouquecia a cantar o Hino Nacional. O ambiente que lá se viveu foi de tal maneira belo que depois dele nada mais digno pode acontecer na vida de uma pessoa."

A população distribuía comida, leite e cigarros pelos militares presentes no Largo do Carmo, mas forças da GNR – comandadas pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis - tomavam posição na retaguarda das tropas de Salgueiro Maia, em defesa do regime e Celeste Caeiro, florista, já tinha oferecido cravos aos tropas do MFA que por ela passaram, transformando esta flor no símbolo da revolução. As pessoas saíam de casa com presuntos e compartilhavam com as tropas, as crianças alinhavam lado a lado com os militares, num raro clima de fraternidade entre o povo português.

Perto da 14 horas decorriam conversações entre o General Spínola e Marcelo Caetano, para a obtenção da rendição do Presidente do Conselho, e meia hora depois, o décimo comunicado do MFA dava conta da ocupação dos principais objetivos e de ter o esquadrão do RC 3, comandado pelo Capitão Ferreira, a cercar as tropas do Brigadeiro Junqueira dos Reis.

No Carmo, Salgueiro Maia, ao megafone, faz um ultimato à GNR para que se renda e ameaça rebentar com os portões do Quartel do Carmo, abrindo fogo sobre a fachada do Quartel do momentos depois o que provocou o início das conversações para a rendição de Marcelo Caetano.

Na sede da PIDE/DGS, alguns elementos seus abrem fogo sobre a multidão que os cercava tendo ferido 45 pessoas e matado civis.

Após uma tarde de tensão, impasse e negociações, às 18:30h, a Chaimite “Bula” entra no Quartel do Carmo para transportar Marcelo Caetano à Pontinha. Portugal era livre!

No mesmo dia, a PIDE/DGS, a Legião e a Mocidade Portuguesa foram extintas e os dirigentes fascistas foram destituídos, mas a tensão manter-se-ia por largos meses. O pós-revolução não foi pacífico e o Processo Revolucionário em Curso (PREC) atirou com o país para as portas de uma guerra civil, com uma luta entre a extrema-esquerda e a social-democracia, e que culminou no golpe militar de 25 de novembro de 1975.

Os valores pelo que se lutaram em 1974 não são eternos. A Democracia e a Liberdade não são conquistas, são um processo de construção. Desde a revolução redefiniram-se no 25 de Novembro, e continuaram a fazê-lo até aos dias de hoje. É importante que nunca nos esqueçamos do papel de cada um de nós no garantir destes valores. Viva Portugal!