3 Abril 2018      16:32

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Jorge Pais: O Alentejo que Conta

É o nosso primeiro convidado para um conjunto de grandes entrevistas, rúbrica a que atribuímoso nome de "O Alentejo que Conta".

Natural de Portalegre, onde reside, Jorge Pais preside ao Núcleo Empresarial da Região de Portalegre (NERPOR). Casado, com um filho, licenciou-se em Direito e tem formação complementar em economia, aliás, uma área que o “absorve” nas leituras, assim como a História, de que se confessa “muito interessado”.

Jorge Pais abriu-nos as portas para uma grande entrevista, que teve que começar muito cedo porque é um madrugador e foi feita num intervalo de uma apertada agenda, que inclui deslocações permanentes pelo país e pelo estrangeiro, que decorrem sobretudo das suas responsabilidades na AIP, com o pelouro das relações internacionais e internacionalização. As missões empresariais não têm segredos para si mas confessa que o continuam a “entusiasmar”, sobretudo quando alcança os “objetivos que resultam de aturadas negociações”.

Além da advocacia, que tem exercido sempre “de forma seletiva e residual” também passou pelo ministério da educação como professor e também membro do conselho diretivo por alturas do 25 de abril mas a sua atividade sempre se desenvolveu em torno da gestão de empresas e forte participação no movimento associativo empresarial tendo então iniciado funções no GRUPO FINO, detentor de várias empresas do sector têxtil e químico, que ao tempo tinha no total cerca de 2500 colaboradores, sendo o maior empregador do Alentejo e um dos maiores a nível nacional.

Ainda nos primeiros anos da nossa democracia participou no âmbito do sector têxtil na fundação da ANIL - associação nacional dos industriais de lanifícios. Foi ainda presidente da associação portuguesa de empresas químicas, sucedendo a Francisco Vanzeller que foi presidente da CIP e antecedendo Eduardo Catroga, que chegou a ministro das finanças, e foi também promotor e fundador do NERPOR, nos anos 80, tendo desde essa altura integrado sempre a direcção da AIP.

Jorge Pais é atualmente vice-presidente da CIP e embora não tenha assumido a presidência do NERPOR logo desde o seu início, considera-se “o decano a nível nacional dos presidentes das associações empresariais regionais”.

Classifica-se como uma realista que mantém valores tradicionais, “mas aberto e integrado na fantástica evolução social, política e tecnológica que já tive oportunidade de atravessar (risos).

Os amigos descrevem-no como modesto e humilde, muito leal e vertical, “amigo do seu amigo” e um negociador com “recursos diplomáticos inesgotáveis”, o que considera como “habitual exagero dos amigos” (risos), confessando contudo que se sente sempre encorajado a encontrar “pontos de convergência entre as partes”.

Tribuna Alentejo: 2017 foi um ano de extremos. O que regista dele?

Jorge Pais: Parece muito consensual considerar a evolução positiva dos indicadores como a diminuição do deficit, a melhoria do rating e a diminuição do desemprego, como algo de mais  notável, sustentando a avaliação favorável e confiança dos mercados e investidores. Quanto ao aspecto negativo em 2017, surge como incontornável a questão dos incêndios, pela tragédia das vidas humanas perdidas e danos materiais provocados, mas também muito pela evidente insuficiência do Estado no combate a esta situação, infelizmente já tradicional, embora sem a dimensão deste ano, confirmando a ausência de reformas e políticas inquestionavelmente necessárias desde há muito tempo.

Falo da região no seu todo, porque há alguns oásis que escapam a este cenário. Como aspecto mais positivo registo a renovação de vontades com resiliência, particularmente entre os jovens, que apesar do quadro adverso, continuam a acreditar e lutar, com inovação e empreendedorismo, pelo desenvolvimento económico e social do Alentejo.

Tribuna Alentejo: E considera que ainda há esperança para esta região?

Jorge Pais: Perdoe-se-me o chavão, mas «a esperança é a última coisa a morrer»! Envolvido desde há muitos anos neste combate pelo desenvolvimento regional, admito que algumas vezes tenho soçobrado à inércia das autoridades regionais, sempre com o reverencial temor do poder central, de quem são dependentes, e à  apatia e desorganização do que noutras regiões se chamam, porque realmente assim actuam, «forças vivas», mas com o exemplo e entusiasmo da tal renovação de vontades, lá tenho retemperado o meu desencanto e regressado ao combate, precisamente sob o lema, agora tão em voga, de que só perdem os que desistem de lutar!

Tribuna Alentejo: Há mais do que um Alentejo e que deve ser tratado de forma diferente? O que falta ao Alto Alentejo quando Beja tem o Alqueva e Évora, que beneficia dele, tem um parque aeronáutico e vai ter um Hospital Central?

Jorge Pais: Convém não esquecer que o Baixo Alentejo além do Alqueva, tem o litoral, tem as acessibilidades, e o aeroporto que, funcionando bem ou não, está lá feito! E abre oportunidades, que de resto já começaram a surgir com a instalação de empresas de manutenção aeronáutica e a inclusão no cluster sectorial  hoje especialmente protagonizado pela EMBRAER e Parque aeronáutico de Évora. Évora, onde além do referido Parque e Hospital Central, há a Universidade, toda a administração pública regional, a centralidade reforçada pelas ligações rodo e ferroviárias, estando em curso a ligação Sines - Espanha, que necessariamente melhorará também a ligação com Lisboa. Portanto, nem há comparação com o Alto Alentejo!

Tribuna Alentejo: É regionalista?

Jorge Pais: Sou a favor das regiões por entender que só este caminho permitirá sair do contínuo agravamento das clivagens regionais a que temos assistido ao longo das últimas décadas. No quadro da tradição administrativa de identificação territorial da Região Alentejo, só o Alto Alentejo poderia ter alguma dúvida de enquadramento, por ser de facto já uma zona de transição para as beiras, e muita proximidade com a margem norte do rio Tejo, cujo território aliás desde há vários anos vem sendo considerado no âmbito da Região Alentejo para efeitos de projectos e candidaturas aos fundos europeus. Na verdade, a organização e hierarquia religiosa da Igreja católica, que tem a história e peso que tem, integra o Alto Alentejo na Diocese de Portalegre e Castelo Branco. Também empresarialmente sempre existiu forte relacionamento entre ambas as regiões.

O Alto Alentejo poderia pois ter alternativa, mas perante as adivinháveis oposições e complicações que um processo desta natureza acarretaria, não creio valer a pena considerar este cenário, sendo mais viável uma notória afirmação no âmbito da Região Alentejo que salvaguarde a autonomia, paridade e capacidade de intervenção do Alto Alentejo, lembrando, como atrás expliquei, que este precisa de um investimento acrescido para assegurar a coesão territorial com o Alentejo no seu todo.

Tribuna Alentejo: O NERPOR tem sob a sua liderança trabalhado na cooperação empresarial na região do Alto Alentejo, fazendo pontes com outras associações empresariais da região. Essa cooperação pretende estender-se a congéneres nos outros distritos alentejanos?

Jorge Pais: Por minha proposta o NERPOR introduziu alterações estatutárias que consagram a participação, por inerência, como vice presidentes do NERPOR, dos presidentes das outras associações que connosco tenham celebrado protocolos estabelecendo a dupla filiação dos seus associados. Desta forma, sem qualquer prejuízo da identidade e total autonomia dessas associações, consegue-se uma articulação de posições e claro reforço da representatividade e capacidade de defesa dos interesses dos empresários e economia da região. Já foram assinados protocolos deste tipo com a ACIPS - Associação Comercial e Industrial da Ponte de Sor e com a Associação Empresarial de Elvas.

Tribuna Alentejo: Fará sentido uma Federação de Associações Empresariais?

Jorge Pais: Sei que é muito difícil extravasar este modelo para o restante Alentejo, mas penso que haveria utilidade num órgão, mesmo sem estrutura e orçamento próprios, tipo Conselho Empresarial do Alentejo que agregando as diversas estruturas associativas analisasse e tomasse posição sobre as diversas questões que afectam a economia da região. Mas, a verdade é que além do individualismo que na generalidade caracteriza o nosso tecido associativo, os interesses dos vários alentejos são divergentes no que toca a distribuição de verbas e prioridades de investimento.

De qualquer forma, parece ser pacífico que o movimento associativo, a nível nacional, precisa ser repensado, especialmente o regional. As associações sectoriais têm um objectivo mais focado e desde 1975 têm uma lei de enquadramento, enquanto as regionais são transversais e abrangentes sem qualquer quadro legal de referência. Foi já adjudicado pelo Presidente da CIP, António Saraiva, à DELOITTE, um estudo promovido pelo Conselho Associativo Regional da CIP, de que sou vice presidente, que vai analisar toda esta problemática e servirá de base para a discussão a levar a cabo com o governo sobre o associativismo regional.

É necessário que tal como acontece na economia social, onde se reconhece o papel insubstituível das IPSS's e Misericórdias, apoiadas para desenvolverem as suas actividades de interesse social, também se reconheça o papel igualmente insubstituível das associações no desenvolvimento e dinamização das economias regionais, pelo seu «saber de experiência feito», que devem como tal ser apoiadas, em vez de empurrar, talvez por motivos políticos, para outras entidades acções que tipicamente são da alçada das associações e que as sabem desempenhar como ninguém.

Tribuna Alentejo: E como lê a relação com os outros núcleos empresariais?

Jorge Pais: A relação com os demais núcleos empresariais do alentejo pode ter-se como normal, sendo desejável que possa melhorar no sentido de uma maior conjugação de esforços e posições. Mas, como disse, nem sempre os interesses são convergentes, e a inexistência institucional de um qualquer órgão aglutinador, tipo Conselho Empresarial, também não ajuda.

Tribuna Alentejo: O Alentejo é anémico empresarialmente? Tendo em conta a dimensão do nosso mercado, os produtores alentejanos são forçosamente exportadores?

Jorge Pais: É conhecida e estatisticamente verificável a enorme concentração de empresas na faixa norte litoral do país quando comparada com a do Alentejo, tal como a densidade demográfica destas duas realidades. Nessa medida, é evidente que a nossa região está quantitativamente muitos furos abaixo em termos de tecido empresarial e muito dificilmente pode aspirar a alguma equiparação nas próximas gerações. Os pressupostos do modelo de desenvolvimento têm de ser adaptados a esta realidade, tendo de apostar ainda mais na qualidade e inovação.

Como é evidente, a dimensão do mercado doméstico do Alentejo é claramente insuficiente para alguma empresa poder crescer sustentadamente. Por isso, empresas que pretendam atingir alguma dimensão precisam pensar «mais longe» e penetrar em outros mercados, sendo que hoje em dia a globalização da economia impõe que as empresas não possam deixar de considerar os demais países, particularmente da União Europeia, como mercados a ter em conta.

Há produtos alentejanos como o vinho ou o azeite, afinal como também vem acontecendo noutras regiões do país, que já alcançaram certa expressão e notoriedade, permitindo que tenham alguma relevância própria no domínio das exportações. Mas não podemos esquecer que, tirando meia dúzia de excepções, quase cem por cento das empresas alentejanas são microempresas, que para enfrentarem mercados mais afastados precisam de se agrupar em clusters e de especial capacitação, mesmo que se dirijam a mercados de nicho.

Tribuna Alentejo: O valor acrescentado dos produtos alentejanos já nos coloca como "players" a esse nível ou estaremos a "importar" empreendedores através do investimento estrangeiro no território?

Jorge Pais: O Alentejo precisa de importar empreendedores e pessoas! Julgo assim que venham donde venham, desde que venham por bem, são bem-vindos e necessários. Se não conseguirmos atrair e fixar pessoas o futuro do Alentejo terá a desertificação bem visível no horizonte. Precisamos importar e reter pessoas e isso só se consegue alterando significativamente a base económica produtiva da região, de forma a darmos condições de realização pessoal e profissional para aqui se instalarem. Sem empreendedores, não vamos lá!

Tribuna Alentejo: Olha para o investimento estrangeiro apenas como oportunidade sem ameaças?

Jorge Pais: O projecto europeu baseia-se justamente na livre circulação de pessoas e bens, na liberdade de investimento, e cada vez mais, apesar do aparecimento episódico de alguns fenómenos proteccionistas, o economia mundial é global. O Alentejo não se pode dar ao luxo e anacronismo de se preocupar com a diferenciação do investimento nacional e estrangeiro, o que precisa é de investimento! Claro que o investimento nacional tendo outras raízes, tem em princípio outras preocupações sociais  e «patrióticas», seria positivo que tivéssemos uma malha importante de empresas regionais de capital nacional, e isso deve ser favorecido, mas devemos continuar a procurar atrair também investimento estrangeiro, desde que não seja poluente ou tenha outras possíveis consequências negativas. No tempo das Start Up's tecnológicas não faz muito sentido distinguir o investidor em função de fronteiras físicas. Verdadeiramente até empresas de bandeira, como a TAP, são hoje de nacionalidade um pouco ambígua. Marcas tidas como tipicamente nacionais, como a Sagres, são afinal detidas por capital estrangeiro. O investimento produtivo tem normalmente um efeito multiplicador, nacional ou estrangeiro, criando emprego e novas oportunidades. É disso que o Alentejo precisa, como “pão para a boca”!

Tribuna Alentejo: O Alentejo é sobretudo produtor de bens. Teremos oportunidades ao nível de serviços?

Jorge Pais: Ao nível de serviços temos desde logo o Turismo que tem no Alentejo uma enorme capacidade de expansão. Em relação a outro tipo de serviços, tendo em conta a realidade do mercado no que respeita a consumidores, temos de convir que só os que se destinam a um mercado mais vasto têm aqui possibilidade de florescimento, nomeadamente os que se processam digitalmente chegando a todo o lado através da internet. De resto, a tranquilidade, espaço, segurança e qualidade de vida do Alentejo são argumentos a utilizar para a fixação de start up's na região, juntando-se-lhe os restantes ingredientes: infra estruturas tecnológicas, formação especializada de recursos humanos, incentivos financeiros e fiscais.

Tribuna Alentejo: O pós 2020 (PO) gera-lhe mais expectativa que apreensão?

Jorge Pais: No Alentejo, o pós 2020 tem que continuar a investir, e muito, nas empresas. O nosso tecido empresarial está muito rarefeito e sem empresas, emprego, criação de riqueza, não temos caminho possível!

Há muito a fazer pelo fortalecimento das empresas existentes, pela captação e criação de empresas, muito mais do que tem feito o 2020. O papel das associações empresariais, por exemplo, no que podem e sabem fazer pelas empresas e empreendedores, não tem sido suficientemente apoiado e incentivado, diluindo esse esforço por outros actores sem a mesma vocação e experiência, nem abarcando o mesmo universo de potenciais investidores e empresários.

2018 deveria ser um ano de viragem neste apoio decidido às empresas, como eixo estratégico central do nosso desenvolvimento, reconhecendo ser sobretudo em torno das empresas e dinamização empresarial que o Alentejo pode atingir os objectivos económicos e sociais que todos dizem defender!