6 Janeiro 2019      11:10

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Jean Claude Brisseau e Henry Miller

Apontamento sobre o cineasta Jean Claude Brisseau (com um piscar de olhos ao perverso mais sincero – apetecia dizer singelo – que este mundo alguma vez conheceu: Henry Miller)

Jean Claude Brisseau, cineasta, à superfície, parece o negativo câmara-ao-ombro de um tal de Henry Miller, escritor que já foi maldito e agora, segundo alguns, é unicamente sinónimo de frivolidade (aliás, tanto um como o outro têm sido bastas vezes credores de tão sentido elogio). Prossiga. Mais do que o reverso, estamos perante um eco distante, obscuro, como se volvido do outro extremo do espectro. E pode ser resumido? Sim. Uma perversão sempre exposta por via da ‘linguagem’ mais inocente, dentro do que tem / tinha à sua disposição. Os ditos erros e excessos são semelhantes, salvaguardadas as necessárias distâncias (artes distintas, modos de expressão objectivamente diferentes): Henry Miller sofria de excesso de adjectivação, Jean Claude Brisseau vive do excesso de exposição. Dois optimistas endurecidos pela vida, resistentes imersos na controvérsia, num mundo onde a maior parte deles (que escreve, filma, canta, esculpe, pinta ou declama) muito pouco tem feito que nos sirva. Referimo-nos a optimistas insubmissos, que fique claro. Um vivo, Brisseau; o outro já desaparecido. Os que sobram – venha de onde vier o optimismo – não se distinguem verdadeiramente dos idiotas.

Escavando um pouco, as palavras de Miller eram sadias, frescas, vertiginosas; as de Brisseau (que as usa sem reservas nos seus filmes) são inertes, caprichosas – como se produzidas para um efeito preciso e previamente calculado. Vida versus artifício, dir-se-á, se se quiser reduzir a esse ponto. Miller escrevia, por exemplo: “meti-lhe três dedos e deixei-os ficar até lhe escorrer o sumo…”. Já nas obras de Brisseau ouve-se dizer, invariavelmente vindo de uma mulher (pois claro), algo do género: “gosto de me filmar enquanto me masturbo ou me tocam pela sensação de entrega e extrema submissão…”. Mas nada disto exprime diferenças substantivas, muito pelo contrário. Homens inteligentes que queiram chegar aos mesmos resultados sabem que não podem tomar as mesmas decisões se estiverem sujeitos a regras diferentes.

Brisseau é cineasta, logo filma e seguidamente mostra, tem o corpo do seu lado. A imagem do corpo nu expõe, arrebata, leva-nos no seu encalço; neste caso, as palavras podem ser explicativas – e mesmo assim, pouco se perde, do ritmo, da deflagração da consciência, da interacção dos seres, enfim, da vida.

Para Miller, que não podia mostrar, a palavra era, evidentemente, tudo. Tudo o que tinha, tudo o que lhe restava. Não podia expressar-se directamente. Como era genial, sabia que havia atalhos disponíveis e sabia como encontrá-los; como o viajante estelar do futuro, caso queira o longínquo de entre o longínquo, se terá de socorrer de Buracos de Verme. Ou seja, como chave, a palavra tem de encontrar o caminho do corpo e da acção que o determina e cinge e enquadra no circuito da, pois claro, deflagração da consciência, da interacção dos seres, da vida. George Bataille mostrou-nos isso mesmo na sua História do Olho, indo tão longe quanto lhe competia (i.e., o mais longe possível). Por outro lado, a escritora (e notável cineasta) Catherine Breillat mostrou como não se faz na sua obra falhada Pornocracia.

Ainda assim, em qualquer dos quatro casos atrás referidos, estamos a falar de sexo, o que é sempre um bom princípio.

 

Imagem de umbigomagazine.com

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