28 Abril 2018      12:14

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Imaginação

Sinto-me como uma criança que não tem brinquedos finos para brincar. Sinto-me como um rapazito, na sua tenra idade dos cinco anos que não tem nada além daquilo que lhe está disponível para brincar mas falta-lhe o produto acabado e que constrói ela própria. E a criança inventa e cria mundos que não existem na sua cabeça.

A imaginação solta-se, passa pelos canais do sonho e transforma-se a cada momento. Nas corridas de poucos metros que faz, ganha maratonas, percorre continentes e eleva-se em todos os meios de transporte. A criança, nos objetos que não são, faz brinquedos. A criança caminha como se tivesse sapatos de sonho. São pequenos foguetes que a propulsionam além do seu mundo real. E a imaginação acontece e os percursos do mar e do céu são a criança vista em diferentes espelhos.

Esta é uma criança que não tinha pão e o imaginava feito a partir do barro e cozia o pão no forno. Sentava-se, com a argila, enlameada já com as pernas molhadas da água suja e o pão que imaginaria sair daquele barro. Iria ao forno, seria pão mas nunca comestível. A ela, servia-lhe a ideia.

Dizia o poeta que nas mãos de uma criança, o mundo pula e avança. É verdade. Se as ideias imaginadas por uma criança fossem transformadas em realidade, o mundo seria diferente. As bolas de sabão habitariam todos os continentes e, mesmo naqueles onde as armas são o único instrumento em que podem pegar, mesmo nesses, as balas seriam doces e não teriam a capacidade de matar. As crianças imaginariam sorrisos e beijos e abraços de quem amam, sem necessidade de se esconder, de fugir, de correr. Correriam só em direção ao campo da brincadeira.

Em adultos a imaginação, tantas vezes, desaparece. Perdem-se, no meio da passagem dos anos, as ideias loucas, a capacidade de inventar brinquedos que não são racionais. Em adultos, o olhar para os brinquedos das crianças busca explicar o motivo do formato, a origem da ideia, quando ele não existirá. Trata-se somente da imaginação, só a de um . É o brinquedo que é a imaginação e é a imaginação que é o instrumento de desenvolvimento das ideias. As coisas mais absurdas já deram tanto conforto a tanta gente.

Imagino um lago, grande, quase a perder vista, mas não é mar. Posso beber a água da nascente que o alimenta. Imagino uma fonte mais pequena, como aquelas da minha infância, rodeadas de musgo e avenca, por onde corria um turbilhão de água pura e fresca que me saciava a sede. Imagino essa fonte como a percursora do lago e fecho os olhos para guardar neles as imagens que já vi e não sei se poderei voltar a ver, de novo.

Sou uma criança, como me sinto, desprendida do mundo que me rodeia. Olhar no lago e nos montes em frente. No canto, um sol que aquece as águas por se espelhar nelas e contruo brinquedos a partir de ramos secos, faço casas e poços e fontes com pequenas pedrinhas de xisto. Neles, debaixo da árvore que, ancestral, me protege, à semelhança da madre-cacau. Sou um inventor de sonhos e máquinas, de imaginação e de coisas reais.

Como um menino perdido no espaço que me rodeia, construo os sinais que se ajeitam ao fundo. Agarro num brinquedo e transformo-me. Nada me falta. O pão, em argila, já é alimento. A água é-me dada pela fonte e pelo lago, o sol acaricia-me a pele e leva-me a mente para além dos montes e, no abraço da madre-cacau, o meu corpo repousa nas casas que construí enquanto a minha mente se entrega à imaginação e brinca, ao meu lado.

 

Imagem de osegredo.com.br