6 Julho 2019      15:51

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Grãos de areia

Esta é a história verdadeira do homem que de decidiu contar os grãos de areia, um por um, da praia que ficava perto da casa dele. 
Zé Fagundes sempre tinha sido um homem de princípios. Sempre tinha sido obcecado por um motivo, por uma tarefa. Cada momento da sua vida era regido por uma tarefa a terminar, um obstáculo a ultrapassar, algo a fazer.

Zé Fagundes era o exemplo perfeito do homem que não desistia, do homem que criava uma estratégia e corria atrás do que fosse preciso para terminar aquilo a que se propunha.
Sei que nestas últimas semanas, talvez anos, e já lá vão 4 em que escrevo semanalmente um texto, tenho dedicado os textos a pessoas. Não por especial escolha, mas porque acho que as pessoas nos ajudam a conhecermo-nos melhor. Cada uma destas pessoas terá um pouquinho de nós. Se é verdade que cada um de nos é um grão de areia neste universo que, só de seres humanos, tem 7 biliões, o mesmo se aplica à individualidade de cada um. Zé Fagundes, como os anteriores, como todas as pessoas que vos apresentei e que já conhecia na minha cabeça, são únicos mas são um pouco de nós. Pelo menos, são um pouco de mim.

Um certo dia, Zé Fagundes estava na tasca do Conde de Montanelas, alcunha dada ao dono da tasca. Era um tipo simpático, com ar afável, embora muitas vezes pudesse ter um ar assustador. Isto quando um cliente não pagava a conta ou em qualquer outra situação menos agradável para os intervenientes.

Nesse mesmo dia, a culpa do sucedido foi do Conde de Montanelas, ele próprio. Deviam estar uns cinco clientes na tasca. Cada um deles seria um estereótipo de alguém que o caro leitor conhece. Não referirei nomes para não correr o risco de ferir susceptibilidades ou ser eu o único a conhecer as personagens.

Zé Fagundes era o quinto elemento naquela conversa e tinha bebido, sem exagero, uma boa garrafinha de tinto carrascão, daquele que deixa os lábios e a língua burgundy, para não dizer com o resto do mosto agregado às papilas gustativas e a toda a zona labiodental. Estava bêbado, pronto. Um deles, o João da Unha, homem mau, tinhoso, aproveitando-se das fragilidades do pobre Zé, desafiou-o a um desafio quase impossível de alcançar. Sabia que este não diria nunca a um desafio e, aproveitando essa vulnerabilidade, desafiou o pobre homem a contar todos os grãos de areia na praia em frente ao tasco do Conte de Montanelas. Despejada a garrafa, Zé Fagundes aceitou o desafio como tinha feito a todas as solicitações anteriores. Nunca negaria um desafio. Este custar-lhe-ia caro, tão caro que ainda hoje o pobre homem se encontra na praia a contar grãos de areia. A praia não é muito grande mas a tarefa é, além de hercúlea, impossível.

Absolutamente desidratado, continua a separar, os grãos um a um, esperando chegar ao fim do pequeno recanto que, aos seus olhos, é pior que um gigante.
Não sei se Zé acabou a tarefa ou morreu antes de a terminar, sozinho ou desidratado. O que sei é que o vi e que às vezes não se pode dizer que sim a tudo.
Ele, se terminar a tarefa, terá aprendido isso de certeza. Se não, terá aprendido na mesma.