17 Junho 2016      20:15

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GAYS DE SANTALUZ TAMBÉM SÃO MORTOS

"MENOS ESTRANGEIRO"

Santaluz é um município com cerca de 36 mil habitantes a 260 Km de Salvador, capital da Bahia. Entre os dias 10 e 11 de Junho de 2016, os professores Edivaldo Silva de Oliveira e Jeovan Bandeira, reconhecidamente homossexuais, foram mortos e seus corpos carbonizados. Após serem encontrados, habitantes daquela cidade sertaneja tomaram as ruas, em protesto contra este ato de violência homofóbica.

Os luzenses que saíram de suas casas para reivindicarem justiça em face do assassinato de Edivaldo e Jeovan não costumam, como em outras cidades do interior do Brasil, mobilizarem-se politicamente em outros períodos que não os eleitorais. Sendo assim, é válido perguntarmo-nos: por que esta população tomou as ruas desta vez?

Para responder a esta pergunta, elaborarei uma argumentação muito preliminar, a qual pode ajudar-me a perceber as forças que, por um lado, parecem autorizar psicopatas a tentarem exterminar, simbólica ou efetivamente, populações inteiras. Por outro lado, esta reflexão um tanto insipiente permite-me compreender ainda porque os discursos de ódio não necessariamente encontram eco nos ambientes em que venham a se realizar os resultados nefastos que se lhes advém.

Os discursos fundamentalistas, religiosos ou imperialistas, baseiam-se em revisões muitas vezes falaciosas de livros sagrados ou das histórias nacionais e transnacionais. Eles estão, via de regra, entrelaçados em razão de interesses de tipos diversos, especialmente econômicos. O caso brasileiro é paradigmático.

Nas casas legislativas estaduais e na federal, atuam acordadamente lobistas religiosos e de setores econômicos relevantes, especialmente do agronegócio e da indústria de armamentos. Sendo assim, ainda que não pareça, as bases eleitorais dos primeiros servem aos demais. Não é de estranhar que, subjacente ao discurso moral de representantes religiosos, está a defesa da economia de mercado e do armamento das populações, em detrimento dos direitos sociais e das minorias. Outrossim, ainda que sem o revestimento religioso, entre muitos eleitores neoliberais, os direitos humanos e sociais são vistos como instrumentos de ação paternalista do Estado, insumos inócuos sobre populações que buscam, por meio deles, burlar o que seria uma regra maior da vida nas sociedades modernas: a regra meritocrática.

Quanto aos constantes ataques à comunidade LGBTT, outras vias analíticas podem ser percorridas, inclusive as de caráter psicológico. Vou usar uma comparação histórica: em meados do século XIX, a homossexualidade foi incluída no rol de doenças mentais, permanecendo entre estas até a metade do século seguinte.

A “medicalização” da homossexualidade ocorreu num tempo de pleno avanço das medidas liberais nas economias do Ocidente, quando as novas tecnologias reconfiguravam o mundo, encurtando distâncias e criando as bases para a produção de bens em escala global. É notável que, diante do que eram considerados avanços inéditos e revolucionários, encontrava-se aberto o caminho político para que Estados modernos institucionalizassem a criminalização da população de homens e mulheres homossexuais.

Estes exemplos demonstram que a cultura do ódio é um resultado direto de ações que ganham corpo nos entes governativos, depois de cultivadas por meio da inculcação, em pequenas escalas sociais, de noções equivocadas acerca da História ou da biologia, num esquema de retroalimentação de equívocos e preconceitos. É preciso doutrinar para dominar, inclusive porque os interesses dos que dominam passam ao largo dos interesses dos dominados. Doutrinar, por vezes, significa mentir.

A inculcação de ideias sem razoabilidade tem que recair sobre as emoções. Sendo assim, o ódio que motiva o assassínio em massa é permeado pelo medo e pela ignorância disseminados em escolas, sedes de agremiações e templos religiosos, à revelia dos ensinamentos de perdão e de amor irrestrito dos grandes mestres e profetas. Ademais, o medo e a ignorância são combustíveis para a manutenção de “ordens sociais” muito assentes no controle dos corpos humanos para os tornarem trabalhadores apáticos, pais e mães de novos consumidores ou de novos soldados.

A atualidade estadounidense é também ilustrativa, não apenas pelo massacre de homossexuais em Orlando, no mesmo fim de semana em que morriam Edivaldo e Jeovan. Digo isto, tendo em vista a possível eleição de Donald Trump à presidência daquele país. Suas falas em público percorrem velozmente os domínios da moralidade, da guerra e da economia, numa demonstração deste estado de coisas que descrevo neste breve artigo.

O que a população de luzenses revoltados parece demonstrar é que cabe aos domindados por Trumps ou por radicais de quaisquer espécies se emanciparem, pois sobre eles recairá a força imperiosa da Justiça motivada pela indignação popular.

Provavelmente, fossem Edivaldo e Jeovan dois homens de pouco prestígio local não teria havido a manifestação em torno de suas mortes. Contudo, o fato de homens e mulheres, numa cidade tão pequena da Bahia, terem saído às ruas a demonstrarem indignação perante a morte de dois homossexuais assumidos, ainda mais sendo ambos professores de seus filhos e filhas, faz com que se perceba que aquelas pregações anacrônicas baseadas em moralidades ocas de sentido podem estar a perder força, mesmo que outros atos de violência contra LGBTT venham a suceder futuramente.

Se quiserem manter seus poderes, os setores hegemônicos por sua vez, terão que encontrar outras formas de convencimento e de dominação, que possam garantir a coexistência e repercutir a diversidade social. Isto pode ser constatado a partir da carnificina de Orlando, porém pode e deve ser visto também na Santaluz de Edivaldo e de Jeovan, inclusive porque não deve ser aleatório este município ter um nome tão apropriadamente singelo.

 

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