11 Junho 2022      10:36

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Futuro da Economia Portuguesa?

Por Miguel Rocha de Sousa*

Onde Estamos? A economia portuguesa no início do século XXI defrontou uma das mais severas crises de que há memória, tal como o resto da economia mundial. Em 2000 esboçou-se o arrefecimento da economia mundial, com a sua implosão em 2008, com o fim da AIG, a maior seguradora mundial, cuja falência punha em causa o próprio sistema capitalista como um todo. A crise financeira mundial de 2008 pôs a nu as fragilidades do sistema financeiro mundial, alavancado em ativos tóxicos (sem valor real e altamente voláteis) baseados no mercado imobiliário que tinha embarcado numa bolha especulativa, cuja implosão pôs em causa toda a estrutura financeira mundial.

Mateus (2010, 2013), entre outros e o próprio Nouriel Roubini anteciparam a crise. Falou-se muito da tempestade perfeita, de uma conjunção única de factores.

Uma vez ocorrida, não seria expectável que se repetisse uma crise desta magnitude. Mas, logo em 2010-2012, tivemos a crise das dívidas soberanas, veja-se Desafios e Oportunidades na Governança da Zona Euro, ed. José Caetano e Miguel Rocha de Sousa (2019), onde Portugal esteve no epicentro do furacão tendo de se gerir um delicado equilíbrio politico-económico europeu e português.

Com a crise da zona euro iniciada pelos bail-outs sucessivos à Grécia, que antevia um triste final de Grexit, deu-se o desenrolar de um jogo político-económico trágico de desunião, mas que acabaria por resultar efetivamente num Brexit (Bongardt, e Torres (2017, 2021), Bongardt, Talani e Torres (2020); Goucha Soares (2021)) para desconsolo dos europeístas convictos, nos quais me incluo.

A economia portuguesa desde meados de anos 90 deixou efectivamente de crescer - veja-se Lebre-de-Freitas, 2022; Amaral, 2022 ambos na Valedictory Lesson de Jorge Braga de Macedo a 25 de Maio de 2022, Reitoria da UNL. Basta perceber que o PIB per capita em paridade dos poderes de compra de Portugal, desse período, decaiu sistematicamente até atingir aparentemente um nível mínimo com a crise de 2008, e depois com a severa crise interna e de liquidez de 2010-2012 ainda se pronunciou a queda.  A pandemia agravou ainda mais este contexto.

A crise causada pela pandemia covid-19 teria uma vantagem, se se quisesse fazer uma experiência inumana de parar toda a humanidade num frame de stand still, algo impensável, mas a natureza fê-lo por nós.

Estas crises obedecem ao adágio dos banqueiros: “Não é da velocidade do carro que se morre num despiste, mas sim da sua travagem brusca!” – i.e. da sua sudden stop! Em economia esta literatura de sudden-stops reflecte o estrangulamento das balanças externas, nomeadamente a balança corrente com a sudden stop.

Ademais veio a guerra/ocupação da Ucrânia pela Rússia, que com o único ponto positivo de nos fazer quase em segundos olvidar da pandemia, nos leva porta dentro o desastre humanitário de mais de metade da população da Ucrânia deslocada ou refugiada, ocorrendo isto já com mais de 100 dias de guerra e sem um fim imediato à vista.

Temos um novo paradigma internacional de economia política, um sistema internacional alicerçado na ONU, com um português como SG da ONU, António Guterres que tem pouco conseguido fazer perante o desespero da comunidade internacional.

“A guerra é demasiado importante para ser deixada aos generais”, diria Von Clausewitz (1780-1831), o importante general prussiano. Parafraseando “A economia é demasiado importante para ser deixada aos economistas”.

Precisamos de tudo e de todos, esta abordagem holística apenas é compaginável no cenário internacional, com uma sociedade não globalista mas verdadeiramente global. “Vivemos todos na sociedade global, mas sem sermos verdadeiramente vizinhos”, como diz o Papa Francisco – Francisco (2020), Fratelli tutti.

O meu colega, ex-professor da UNICAMP, agora em Washington, Otaviano Canuto defende uma “Newbalization, Deglobalization”— ou seja, há um novo paradigma global a nascer, Novabalização, “novas balizas”. A deglobalização é diferente da desglobalização, ou seja, o ritmo amaina, mas permanecem as ligações. Mesmo com os cortes do gás russo.

Por um lado, sendo certo que sabemos que a globalização arrefeceu, algo muda. O seu ritmo frenético de 1950-2008 abrandou, entre 1870-1950 houve crescimento moderado do grau de abertura comercial mas sustentado, no entanto entre 1950-2008 tivemos híper-globalização – Paul Krugman (2022) defendia esta visão numa Lição da Academia das Ciências Portuguesa, em Zoom, a 18 de Maio de 2022.

Uma das questões que coloquei ao Nobel de 2008 sobre esta matéria, foi a de: ”Qual a consequência da guerra na complexidade do comércio internacional?”. Paul Krugman na sua simplicidade apenas atestou que, com a guerra a complexidade diminui, logo a cadeia de valor aprofunda-se menos e isso é nocivo, mas que resta muita incerteza. A complexidade comercial é boa pois acrescenta valor, a guerra ao diminuir as cadeias de valor reduzem-na e isso prejudica o bem-estar global.

De onde vimos? O nosso país, Estado-Nação unitário, tem uma longa tradição histórica, é dos mais antigos do mundo com a sua independência no século XII, com identidade forte, afabilidade do povo, índice elevado de IDH, no topo 50, com baixo crime, com estabilidade política, mas está aparentemente preso numa armadilha de desenvolvimento intermédio, desde meados de 1990.

O gráfico seguinte baseado em Duflo e Bannerjee (2011) é assustador, estamos no ponto B. Mas, podemos cair de Bà A e resvalar e cair num equilíbrio persistente de pobreza, ou eventualmente escapar e dar o salto para um equilíbrio mais elevado em B C. O problema de B é que é um equilíbrio instável e transitório. VER ANEXO.

Há estudos contra-factuais da nossa história desde o 25 de Abril, como Amaral et al. (2022) e de Sousa e Duarte (2021, 2022). Qual o peso de Abril na nossa história? De Sousa e Duarte (2021, 2022) demonstraram que o 25 de Abril pode ter sido um jogo nos 3Ds (descolonizar, democratizar e desenvolver, lema do MFA), um jogo no sentido do comportamento estratégico entre o governante/ruler e o governado, que foi relativamente rápido a chegar aos equilíbrios de descolonizar e desenvolver, mas que o terceiro “D” o do desenvolvimento só se dá com a entrada na CEE em 1 de Janeiro de 1986. O que poderia ter sido diferente? Amaral et al (2022) quantifica com um método sintético o caminho alternativo à Revolução de abril.

O dia de Portugal, de Camões e das Comunidades deve ser propriamente celebrado, com rigor, pompa e circunstância, mas pensando que só se consegue passar deste ponto BàC com políticas educativas e educacionais efetivas, céleres, inclusivas, com reforço do investimento em capital físico, humano e natural, com inovação e tecnologia.

Tudo o que possa aumentar o nosso potencial de crescimento e deslocar para cima a própria curva, permite-nos sair da armadilha de pobreza, mesmo sendo ela uma armadilha de rendimento intermédio.

Não podemos esquecer “o quarto D” (Braga de Macedo, 2022) o da defesa, e da comunidade de segurança da NATO que a guerra nos acorda e as alterações climáticas outro desafio de mais longo prazo nos recorda.

Para onde vamos? As alterações climáticas e as suas nefastas consequências são algumas das preocupações mais sérias do futuro que ameaça o futuro da espécie humana. Caleiro, de Sousa e Andrade (2019) modelaram usando teoria dos jogos evolucionista, o comportamento estratégico dos agentes e que tipo de risk-reward premium seria necessário para evitar este global eco-cídio planetário.

Em texto a sair em breve (de Sousa (2022) in Collares Pereira (org.)) proponho, após uma reflexão sobre os índices de governança das instituições globais com foco no ambiente e na governação global, uma moeda global indexada ao stock real de capital natural. Esta ideia ousada com o fim de indexar a qualidade ambiental à produção de moeda, refletindo o seu valor, ou falta dele, com a inflação – chamo-lhe greenbuck de um modo mais harmonioso “airioso” em honra a J.S. Bach – Stiglitz em tempos também chegou a propor uma moeda ambiental (Stiglitz, 2002). A inflação está de volta com a guerra, a escassez dos recursos, a depleção do stock de capital natural, e tudo isso é insustentável.

Kate Raworth fala-nos da economia dónute, com forças centrípetas de resiliência e centrifugas de destruição. Hickel baseado em Latouche (2009) fala-nos de “degrowth”, mas este decrescimento não é amorfo nem homogéneo. Teremos de contrair, mas apenas estrategicamente para que outros cresçam e o saldo seja positivo. Teremos de dar “o salto de escada” dos países em vias de desenvolvimento na sociedade global (Ha Joon Chang, 2000) (K-A-L) “Kicking away the ladder”.

Et pur si muove! Jangada à deriva. De qualquer modo a economia portuguesa, apesar de termos tido forte emigração, tem mostrado uma capacidade de resiliência notável.

António Costa Silva (2021) que elaborou o plano, que depois daria o PRR português, e a quem o PM António Costa confiou o ministério da economia actual, tem desígnio estratégico. Mas há uma série de constrangimentos severos: i) a fraca qualidade institucional, ii) o excessivo peso do estado, iii) a insustentabilidade da divida pública, que onera o peso das gerações vindouras; iv) a falta de realismo e o excesso de burocracia nos PT2020 e PT2030 face aos fundos europeus estes sim menos complicados e menos burocráticos, v) a falta de participação cívica nos processos político económicos. Citando Saramago (1986), a jangada está à deriva. O homem do leme pode lançar avisos. O Titanic que supostamente era inexpugnável foi ao fundo.

Mas, sou extremamente optimista. Porque, onde há um problema há sempre uma solução. E uma lição de vida de St. Inácio, mais do que ser o melhor do mundo, ser melhor para o mundo.

O pouco, o possível, passo a passo. Chegar-se-á lá. Lei da Reforma do Estado, a necessidade da descentralização, a necessidade do empowerment cívico. Somos um pequeno país, com um potencial turístico brutal, com capacidade inovadora, do sector primário, ao secundário e terciário.

A Universidade de Évora tem capacidades, valências e é um motor de desenvolvimento regional, nacional e internacional nesta lógica. De Portugal para o mundo, na cortiça, e no azeite, nas energias renováveis, na aeroespacial nascente, no património, na cultura, na sociedade e nos fora internacionais e na formação a todos os níveis com a sua participação em redes internacionais. Pense-se também na economia do comércio internacional, da biodiversidade, da excelência, das parcerias, do diálogo, da inclusão e das redes.

Portugal tem também uma das maiores plataformas marítimas, que nos dá uma vantagem comparativa face a outros. Não podemos é fechar-nos sobre nós mesmos, perante um quasi-folcore político. Temos de ser assertivos, exigentes com as elites politico-partidárias, e já agora, fazer diferente construindo, evitando o síndrome de (Reinhart & Rogoff,2009) “This time is different”.

* Miguel Rocha de Sousa. Professor do Departamento de Economia da Universidade de Évora, investigador no Centro de Investigação em Ciência Política (CICP) e no Centro de Estudos e Formação Avançada em Gestão e Economia, (CEFAGE).