24 Abril 2021      10:12

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A formiga e a linha do comboio

Era uma vez uma formiga que se chamava Miga. Era uma formiga forte e trabalhadora que não parava. Todos os dias trabalha, de manhã à noite. Mal o sol nascia já a Formiga Miga estava a trabalhar. O Sol punha-se e a Formiga Miga ainda estava a trabalhar. Era incansável.

Miga trabalhava na construção. Durante muitos anos tinha trabalhado na agricultura mas de um dia para o outro passou a trabalhar na construção, mas sempre ao ar livre. Miga trabalhava na construção dos caminhos de ferro do Alentejo.

Diariamente transportava grandes barrotes de madeira e pesadas linhas de ferro, por onde haveriam de passar os pesados comboios que faziam a ligação entre o Alentejo e o resto do mundo.

Antes de começar a trabalhar nessa construção, não tinha nunca visto um comboio. Depois de terminar a obra também não chegaria a ver nenhum, mas isso são outras histórias.

A formiga Miga trabalhava com outras formigas e muitos insectos. Estabelecer uma linha ferroviária no Alentejo era uma tarefa muito dura.

Porém, o que nos faz falar sobre a formiga Miga é o que aconteceu certo dia. De um momento para o outro, a vida de Miga mudaria. Todos os trabalhadores têm os seus momentos de cansaço e a nossa formiga não era exceção. Houve um dia em que, debaixo de um Sol abrasador, Miga adormeceu no meio da linha, completamente desidratada. O Sol era tão forte que a pobre formiga não conseguiu contrariar o sono.

Uma boa meia-hora depois, mal teve tempo de se desviar da linha do comboio para não ser levada por um que se aproximava a alta velocidade. Foi por um triz. Começou a correr em direção a Beja, fugindo daquele pesadelo que se aproximava dela. Parecia que a perseguia. Quando mais dava às patas, mais as patas fugiam de si e mais o comboio se aproximava dela. Não escapo, pensava... e Beja estava cada vez mais longe. E ao mesmo tempo era uma cidade completamente estranha que não reconhecia, cheia de prédios, arranha-céus. Nunca assim tinha visto Beja. E o comboio continuava atrás.

Conseguiu finalmente alcançar a cidade, um lugar onde, apesar de lá viver, parecia que nunca tinha lá estado. Miga estava de boca aberta. Não era para menos. Primeiro perseguida por um comboio furioso, depois ínfima no meio dos prédios gigantescos. Como podia tudo ter mudado em tão pouco tempo?

Por mais que procurasse a sua casa, não encontrava e precisava regressar ao trabalho. Ainda receosa de ter de novo o comboio atrás de si, decidiu arriscar e voltar, mas quando chegou ao lugar de onde se lembrava ter saído não havia comboio nem linha e não estava lá ninguém. Surreal, pensava. A visão de surreal das formigas é, contudo, muito diferente da nossa.

A pobre Miga continuo em busca da realidade e cada vez a mesma parecia longínqua. Parecia, até que lhe atiraram água para a cabeça e a formiga acordou. Sobressaltada, contou a todos que tinha sido perseguida por um comboio assassino e que Beja tinha arranha-céus.

Olharam-na com ar de quem não estava a jogar com o baralho todo e mandaram-na de baixa médica para casa, durante 15 dias. Só assim Miga conseguiu ter férias e descansar.

Verdade, verdade é que essa deve ter sido a última vez que se viu um comboio em Beja.