5 Maio 2016      01:31

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A FALÁCIA DE MONTE CARLO

O MUNDO DOS NÚMEROS

A Teoria das Probabilidades é o ramo da Matemática que estuda os possíveis resultados de acontecimentos nos quais intervém o acaso, isto é, estuda os fenómenos aleatórios. Ao lançar um dado, não podemos prever qual a face que ficará voltada para cima, tal como quando lançamos uma moeda não podemos prever se aparecerá cara ou coroa. Experiências, deste tipo, cujos resultados não podem ser previstos quando, em condições idênticas, são repetidas várias vezes, são chamadas experiências aleatórias.

Desde os seus primórdios, o estudo das probabilidades sempre teve uma estreita ligação com os jogos de azar e muitos dos episódios da história, deste ramo da Matemática, consistem em tentativas de resolução de problemas relacionados com jogos de cartas ou dados, despoletados pelas dificuldades de cálculo das probabilidades de determinadas jogadas.

Já noutra ocasião escrevi sobre os obstáculos que levam a que o ser humano seja pouco hábil a resolver problemas probabilísticos. Perante um problema, o nosso cérebro procura padrões. Nessa busca, recorremos a experiências passadas que nos parecem adequar-se a essa situação, contudo, quando a situação envolve o cálculo de probabilidades o cérebro deixa-se levar por ligações que, na realidade, não existem e faz-nos interpretar como “sinais do destino” meras coincidências do quotidiano ou como “milagres” os acontecimentos altamente improváveis.

O conflito entre intuição humana e as leis que regem as probabilidades manifesta-se das mais variadas formas e nas mais diversas situações. Os jogos de azar são um bom exemplo de como a nossa fraca intuição probabilística nos leva a distorcer a realidade e a acreditar em fenómenos que não existem.

Em jogos como o Euromilhões ou a roleta, muitos apostadores crêem na estratégia dos números quentes e números frios. Acredita-se que se um número está “quente”, isto é, se tem aparecido várias vezes recentemente, este continuará a sair ou então que se um número está “frio”, isto é, se já não aparece há algum tempo, então “está para sair”.

No dia 24 de Outubro de 2014, estava em jogo um jackpot de 190 milhões de euros no Euromilhões, o maior prémio de sempre só igualado pelo jackpot de 10 de Agosto de 2012. Nesse dia, um conhecido jornal publicou um artigo intitulado “A chave ideal para ganhar o maior prémio de sempre do Euromilhões”. Nesse artigo eram apresentados os cinco números e duas estrelas que mais vezes tinham saído até então, alvitrando-se que esta seria a chave ideal para apostar nesse sorteio. Apresentavam-se também os números e estrelas que deveriam ser evitados. A chave sugerida, constituída pelos números 3, 9 , 20, 30 , 42 e as estrelas 1 e 6 poderia, de facto, ter sido a chave desse dia, mas, na realidade, esta chave tinha exactamente a mesma probabilidade de sair que todas as 116.531.800 possíveis chaves tinham. Como curiosidade, informo que nenhum desses números “quentes” apareceu na chave vencedora.

A argumentação, de que os números que mais vezes tinham saído até à data teriam grandes probabilidades de voltar a sair, baseia-se no mesmo raciocínio que nos faz acreditar que se se um casal tem 4 filhos rapazes é mais provável que o próximo filho seja rapariga ou que se lançarmos uma moeda dez vezes, e sair sempre cara nesses dez lançamentos, no próximo lançamento é mais provável que saia coroa.

Este fenómeno, que se denomina Falácia do Apostador ou Falácia de Monte Carlo, consiste na crença de que em experiências aleatórias com resultados equiprováveis, o comportamento passado influencia o comportamento futuro, isto é, acredita-se que quando se realiza um grande número de repetições dessas experiências, os resultados tendem a estabilizar as suas frequências, ignorando-se que cada repetição é independente das demais.

Ao contrário do que se crê, após lançarmos uma moeda dez vezes, e sair sempre cara nesses dez lançamentos, a probabilidade de sair cara ou coroa no 11º lançamento da moeda é de  1/2 (50%), a mesma probabilidade que tínhamos de obter cara ou coroa no primeiro lançamento, no segundo … ou no centésimo lançamento. Esta crença pode residir no facto de se confundir a probabilidade de ocorrência de cara no 11º lançamento com a probabilidade de se obter uma sequência de 11 caras, que é de 1/2048 (menos de 0,05%).

Um caso famoso, ocorrido a 18 de Agosto de 1913 no casino de Monte Carlo, demonstra bem como o ser humano tem uma percepção distorcida da aleatoriedade. Nesse dia, no jogo da roleta, os jogadores foram surpreendidos por uma invulgar sequência de casas pretas. Acreditando que essa sequência não poderia continuar, as apostas, no vermelho, aumentavam a cada vez que a bola caia no “preto”. Nesse dia a bola caiu por 26 vezes seguidas no “preto” e esse jogo rendeu, ao casino, vários milhões de francos.

 

Imagem © Lusa.