13 Maio 2020      11:10

Está aqui

Fake News em tempo de pandemia

Já todos ouvimos a expressão “fake news”, mas o que têm os dias atípicos que vivemos de tão especial, que nos fizeram abrir fogo sobre o fenómeno da desinformação?

Chamam-lhe a era da pós-verdade. A expressão ficou popular na sequência de um evento político em 2016: a vitória de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América. Nesse mesmo ano, “pós-verdade” foi considerada a palavra internacional do ano pelo dicionário de Oxford.

O termo caracteriza uma mudança social no que diz respeito à noção de verdade, que deixou de ser um dado objectivo e independente das percepções de cada qual, para ser um dado subjectivo e dependente das percepções de cada qual. Desde então, as fake news, têm estado maioritariamente ligadas a discursos políticos ou apolíticos, tendo o termo sido altamente politizado e crescentemente utilizado como arma de arremesso por oponentes partidários. Mas não nos deixemos enganar, a verdade não escolhe ideologias, e, para nosso prejuízo, as consequências da desinformação têm um maior alcance do que as urnas de voto- foi precisamente esse facto que a pandemia que atravessamos veio colocar a nu.

O cérebro humano pode ser a mais fascinante e complexa estrutura que conhecemos, mas prega-nos muitas partidas. Para nomear apenas algumas, temos mais dificuldade em questionar informação nova com a qual as nossas crenças prévias são congruentes, o nosso estado atencional nem sempre é adequado à exigência da informação que nos dispomos a processar e os estímulos visuais aos quais respondemos, podem levar-nos a interpretar enganadoramente a realidade, enquadrando-a de forma que nos seja mais aprazível. Estas nossas limitações cognitivas, são parte do substrato que faz do casamento entre as redes sociais e a massificação da comunicação, uma das maiores ameaças à Democracia. Não foi com o advento da pandemia que surgiu a preocupação com as consequências, de natureza variada, da desinformação. Contudo, foi com o advento da pandemia que se empregaram mais esforços para conter a propagação de falsos factos, de notícias enganadoras, de teorias da conspiração ou de terapêuticas cuja eficácia não tem evidência científica.

Perante o desafio, Facebook, Amazon e Twitter uniram pela primeira vez esforços no sentido de mitigar o efeito perverso que a desinformação durante uma pandemia pode ter, adoptando uma posição responsável e vigilante ao eliminar conteúdo desinformativo das redes. Também os meios de comunicação tradicionais dedicaram uma maior atenção ao fenómeno. Tudo isto não foi, ainda assim, suficiente para evitar todas as tragédias. Vejamos o que se passou no Irão, país onde centenas de pessoas morreram de envenenamento por metanol, devido à sugestão de que o composto químico poderia curá-las da infecção por coronavírus que circulou nas redes sociais.

A brecha que se abria transversalmente nas sociedades contemporâneas ficou totalmente exposta. De repente a desinformação pode ter consequências dramáticas para a nossa saúde, para a integridade dos sistemas de saúde, e para o “bem comum”. O medo faz-nos, agora, ser mais cautelosos, mas já o deveríamos ter sido antes, e devemos certamente continuar a sê-lo depois da tempestade passar. Porque, de facto, tomar decisões com base em informação errada, acarreta consequências negativas, que podem ser mais ou menos visíveis, mais ou menos imediatas, mais ou menos directas e mais ou menos danosas, mas são sempre negativas.

O que os dias atípicos que vivemos têm de especial é o potencial para que essas consequências sejam muito visíveis, imediatas directas e danosas. Este é, por isso, o momento para começarmos a ser criteriosos na escolha da informação com base na qual tomamos decisões, mas quando este momento se tornar num facto histórico, é nosso dever de cidadania mantermos a nossa higiene informativa.

 

Angela Rijo nasceu em Reguengos de Monsaraz e mudou-se para Lisboa aos 18 anos de idade. À data presente é estudante do mestrado em Psicologia Social e das Organizações, no Iscte, onde também colabora com o laboratório de comunicação Media Lab.